sexta-feira, 14 de junho de 2013

Benção Mortal

Título original: Deadly Blessing

Ano: 1981

Direção: Wes Craven

País: EUA

Duração: 97 min

Elenco: Maren Jensen, Sharon Stone, Susan Buckner, Ernest Borgnine, Michael Barryman
Avaliação:
Sinopse:
Fazendeiro morre esmagado pelo seu próprio trator e sua mulher passa a ser aterrorizada por uma entidade misteriosa.

Crítica:
Já fazia um bom tempo que esta produção dos primórdios da carreira de Wes Craven aguardava na minha lista, e entre as razões da minha demora em assistir estavam a dificuldade de achar o filme (que foi disponibilizado em DVD somente em 2010) e os desencorajadores comentários negativos a respeito que li ao longo dos anos. De qualquer forma, a ideia de ver uma inexperiente Sharon Stone sendo dirigida por Craven também em início de carreira sempre me pareceu bastante atraente, sem falar do fraco que eu tenho pelo tosco, porém divertido, Verão do Medo, outro filme inicial do diretor que, assim como Benção Mortal, é frequentemente descartado pelo público como um trabalho inferior e sem importância. No entanto eu ficava pensando: “pode não ter Linda Blair com um animal morto na cabeça servindo de cabelo, mas não deve ser tão ruim”. E não estava errado, exceto que Benção Mortal é muito melhor do que eu jamais poderia supor.

Acredito que entre os motivos deste filme ser tão negligenciado está seu distanciamento da sanguinolência gratuita e mais realista dos dois primeiros filmes de Craven, Aniversário Macabro e Quadrilha de Sádicos, que acabaram se tornando hits “X-rated” e fizeram de seu diretor um nome conhecido e respeitável. Em vez da carnificina, filmes como Verão do Medo, Benção Mortal e o subsequente O Monstro do Pântano investem num tipo de horror mais light, mais fantasioso, contendo inclusive um teor mais cômico em diversos momentos. O fato de A Hora do Pesadelo ter sido lançado pouco depois também não ajudou nem um pouco, obscurecendo mais ainda os filmes dessa fase. No fim das contas, Benção Mortal, mais do que qualquer outro filme esquecido de Wes Craven, é uma pérola que precisa urgentemente ser redescoberta, já que tem tudo que um bom filme B precisa ter. E, mais importante de tudo, é uma produção divertida e dinâmica, jamais ficando arrastada como boa parte dos slashers mais conhecidos lançados na época.

O filme é situado numa comunidade rural em que pelo menos metade dos habitantes é composta por extremistas religiosos conhecidos como hititas, que adotam um estilo de vida Amish, com os homens com seus chapéus pretos de abas largas e garfos de capinar naquele pano de fundo tipicamente gótico-agrícola. Uma das maiores preocupações da religião é combater o que os fiéis chamam de Incubus, que seria o Diabo. Na comunidade vivem o fazendeiro bonitão Jim e sua adorável esposa Martha, que moram felizes numa fazenda que tem na entrada uma placa com a inscrição “Nossa Benção”. Eles fazem parte da parcela não hitita do local, e logo descobrimos que Jim foi deserdado por seu pai Isaiah (Ernest Borgnine), líder dos hititas, quando decidiu se casar com Martha.

Há também entre os não hititas a jovem Faith, que passa o tempo fazendo pinturas de paisagens e sendo perseguida por Gluntz, o obrigatório retardado mental da região interpretado por Michael Berryman (o Pluto de Quadrilha de Sádicos). Na perseguição que vemos logo no início, Gluntz acusa Faith várias vezes de ser o Incubus, e a briga dos dois é apartada por Jim, que chega em seu trator John Deere, e Louisa, a parteira e mãe superprotetora de Faith. Quando Jim diz que vai em breve precisar dos serviços de Louisa, já que Martha está grávida, temos nosso primeiro grande momento de histrionismo absurdo, com a mulher felicitando o fazendeiro tão histericamente que temos a certeza de se tratar de uma lunática, a quem um bebê jamais deveria ser entregue. Ela, aliás, revela ter uma estranha fixação pelo sexo feminino.

Na noite do seu primeiro aniversário de casamento, Jim ouve um barulho estranho e resolve ir até o celeiro onde guarda o seu trator. Chegando lá, ele encontra o trator com o motor ligado, mas sem ninguém dentro, e então o desliga. Mas alguém ou algo volta a ligá-lo, e dessa vez o trator vai na direção de Jim, esmagando-o contra a parede até a morte. Chegam então, pra consolar a viúva Martha, Sharon Stone e Susan Buckner como Lana e Vicky, as amigas loiras e descoladas de Los Angeles. Enquanto isso, Gluntz, que seria um dos potenciais vilões (ele havia escrito “Incubus” com tinta vermelha na parede do celeiro horas antes de Jim morrer) acaba sendo assassinado enquanto espiona Martha pela janela. Ela, por sua vez, passa a ser pressionada por Isaiah a vender a fazenda e continua sendo alvo de acusações dos hititas.

No dia seguinte, Martha, Lana e Vicky tomam café da manhã e Lana conta sobre o pesadelo que teve com um sedutor homem cinza que se transformava numa aranha, deixando Martha assustada. Logo em seguida as amigas recebem a visita inusitada de Faith, que resolve surpreendê-las com uma cesta de ovos, explicando como ovo é a única coisa que ela come em casa. Ao ser perguntada por Martha se é a filha de Louisa, Faith diz que sim, apresentando-se oficialmente: “F-A-I-T-H. Como em ‘acreditar’.” Então ela começa a bisbilhotar a casa, entrando no quarto de Martha e dizendo que sabe a dor que ela está sentindo com a perda de Jim. Aí ela senta na cama do casal e simplesmente começa a “cavalgar” no colchão, deixando Martha seriamente desconfortável. Não restam dúvidas de que, hititas ou não, as pessoas dessa comunidade são loucas de pedra.

Vicky resolve explorar as redondezas e conhece John, o irmão de Jim. Um jovem visivelmente reprimido, John logo se interessa por Vicky, e vice-versa, mas ele tenta controlar seus impulsos já que está noivo. Na fazenda, Martha e Lana tentam achar parafusos pro trator e Lana decide ir até o celeiro pra procurar. Lá, ela começa a ser aterrorizada por alguém que não vê, sendo completamente encurralada com todas as portas e janelas se fechando inexplicavelmente. Ela fica cada vez mais perturbada ao se deparar com aranhas e teias, relacionando-as ao pesadelo que teve na última noite. No sótão do celeiro, ela é atacada pela figura de um homem e acaba rolando escada abaixo, dando de cara com uma saída. Mas em vez de correr logo em direção à porta, ela se assusta com uma aranha e resolve voltar pra dentro do celeiro e se jogar num monte de sacos de palha! Quando Martha vem procurar por ela, ela vai em direção à saída, mas quando se aproxima da porta, o cadáver enforcado de Gluntz aparece pendurado em sua frente.

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As coisas seguem tensas na casa de Martha, e à noite ela é surpreendida na banheira por uma cobra, numa cena que claramente serviu de protótipo pra famosa sequência em que a garra de Freddy Krueger emerge da água durante o banho de Nancy em A Hora do Pesadelo. Pouco depois Louisa aparece pra pegar de volta a cesta em que Faith havia trazido os ovos, e mais uma vez faz questão de demonstrar seu desprezo por homens, dizendo: “Se Faith tivesse nascido um garoto, eu a teria colocado num saco e jogado num rio, como se fosse um gatinho.” Enquanto isso, John passa a ficar cada vez mais aéreo e distante na presença de Melissa, sua noiva virgem e recatada, já que seus pensamentos estão totalmente voltados pra Vicky. Finalmente, depois de ser repreendido e deserdado por Isaiah por trair a confiança da noiva e cair na tentação do Incubus, John vai atrás de Vicky na cidade e a encontra na porta do cinema onde está sendo exibido Verão do Medo! Os dois então decidem ceder aos seus desejos e estacionam o carro num canto escuro do bosque pra dar uns amassos.  Mas algo desperta Melissa, que está a quilômetros de distância, e ela sai correndo em disparada em direção ao bosque, como se estivesse num transe. Instantes depois, John e Vicky começam a ser atacados no carro, e John acaba sendo apunhalado pelas costas e morrendo. Depois, o assassino misterioso joga gasolina no carro e faz uma trilha com o líquido pra poder atear fogo de longe. Vicky vê o fogo vindo em sua direção, mas em vez de sair do carro – e ela encontra tempo de sobra pra isso – ela fica mais preocupada em desatolar o pneu de um buraco. Claro que o carro pega fogo e explode com ela dentro. Mocinhas brilhantes essas nossas.


Em casa, Martha e Lana continuam tensas sem saber o que fazer. Enquanto Martha procura manter-se racional e equilibrada, Lana já se encontra totalmente entregue à ideia de estar sendo perseguida por um demônio, tentando convencer a amiga de que as duas estão enfrentando uma situação sobrenatural. Quando Martha vai ao celeiro depois de constatar que o caixão de Jim foi desenterrado e aberto, ela encontra uma pintura dela ao lado de uma figura masculina que seria seu marido, só que sem rosto. Ela é surpreendida então pela presença de Melissa do lado de fora, ainda em estado de transe e aparentemente tentando expulsar um demônio do local. Louisa aparece e tenta impedir Melissa, e depois Faith aparece e finalmente revela que é a assassina! E mais que isso, que é uma ASSASSINA HERMAFRODITA!! Ela era secretamente apaixonada por Martha, e por isso sua mãe tentava protegê-la, temendo que os outros rissem de sua condição “meio a meio”. E por isso também o desprezo de Louisa por garotos.

Temos então um alucinante confronto final na casa de Martha com muita porrada, tiros e spray de pimenta, e eventualmente Faith e Louisa acabam sendo derrotadas por Martha e Lana. Melissa é revelada como sendo uma espécie de vidente, e quando Isaiah chega e vê o corpo de Faith, diz que o mensageiro do Incubus está morto. Claro, porque hermafroditismo só poderia ser mesmo coisa do Diabo, não é mesmo, minha gente? E quando pensamos que tudo está resolvido e que todo mundo agora vai viver feliz pra sempre, o fantasma de Jim aparece pra Martha dizendo pra ela ter cuidado com o Incubus. Então o chão da sala se abre e Martha é tragada pra dentro da terra pelo Incubus em carne e osso, sendo arrastada pras profundezas inferno! E agora sim... Fim.
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Sensacional. É realmente chocante o filme ser tão pouco lembrado, porque é, de fato, uma produção bastante peculiar. Talvez porque, no contexto em que foi lançado, ele tenha se perdido em meio às centenas de produções do gênero que se proliferavam na época e, inclusive, sido ridicularizado por conta de sua abordagem diferenciada, com certos elementos de horror então considerados antiquados. Sim, porque em sua estrutura mais básica, Benção Mortal não deixa de ser um slasher, mas, em retrospecto, eu diria que um bem acima da média. Um dos grandes méritos do filme é jamais se tornar cansativo, algo que acaba acontecendo com a grande maioria dos filmes de serial killer do período. A trama aqui se mantém sempre movimentada, graças principalmente à combinação quase esquizofrênica de ingredientes: temos o assassino misterioso, fanáticos religiosos, sequências de sonhos, fantasmas, demônios, aranhas, cobras, galinhas e até personagens transgêneros. E falando em personagens, os de Benção Mortal compõem uma galeria de tipos bastante interessantes, cada um com a sua bizarrice particular.

Muitas das pessoas que viram o filme reclamam da reviravolta final, que pra elas soa forçada e fantasiosa demais. Particularmente, eu acho que as coisas se desenrolam e se resolvem de uma forma até coerente dentro do contexto, e de uma forma até muito graciosa. Querendo ou não, as pontas se amarram daquele jeito bem over the top, e chega a me surpreender que alguém exija algum tipo de realismo de um filme como Benção Mortal. O importante é que ele consegue entreter ao máximo dentro dos limites de um filme assumidamente B, e esse é o grande barato. Além disso, temos a eficiente trilha sonora de James Horner, que investe num perturbador cântico religioso de vozes masculinas que contribui bastante pra construção da atmosfera. E, obviamente, a direção sólida de Wes Craven, que acaba revelando habilidades bem mais promissoras que aquelas demonstradas no próprio Aniversário Macabro. Sim, eu disse isso. O fato é que agora eu coloco Benção Mortal lá em cima no meu ranking de melhores do Craven, junto com o também negligenciado, mas absolutamente fantástico, As Criaturas Atrás das Paredes. Trocando em miúdos, um verdadeiro tesouro implorando pra ser desenterrado.

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