terça-feira, 4 de junho de 2013

O Filho de Chucky

Título original: Seed of Chucky

Ano: 2004

Direção: Don Mancini

País: EUA / Reino Unido / Romênia

Duração: 88 min

Elenco: Jennifer Tilly, Brad Dourif, Billy Boyd, Redman, John Waters, Hannah Spearritt
Avaliação:
Sinopse:
Boneco transgênero vai em busca de seus pais assassinos Chucky e Tiffany em Hollywood.

Crítica:
Quando uma franquia popular começa a ficar desgastada e carente de ideias, a autoparódia acaba se tornando uma saída inevitável. Principalmente se o argumento original envolve um boneco assassino, um conceito que já é ridículo por natureza e não dá margem a muitas subversões. Apesar disso, o primeiro filme da série Brinquedo Assassino conseguiu ser um thriller decente, divertido e com bons sustos, mas tendo em vista as sequências não tão inspiradas e recebidas sem muita empolgação pelo público, era só uma questão de tempo até chegarmos à sátira de A Noiva de Chucky, que, apoiada pela popularidade do carismático vilão de plástico e enchimento, conseguiu fazer a transição da “saga” do horror decadente pra comédia escrachada de humor negro.

Boa parte do que faz funcionar essa era mais recente dos filmes de Chucky se deve ao envolvimento de Don Mancini, o criador dos personagens originais e roteirista de todos os exemplares da franquia. E neste O Filho de Chucky, ele finalmente assume a direção, utilizando seu aguçado senso de humor trash pra realizar a autoparódia da autoparódia, através de um enredo ridículo até não poder mais. Como não poderia deixar de ser, a produção ainda conta com uma infinidade de gags, referências a outros filmes, uma performance hilária de Jennifer Tilly (como ela mesma e como Tiffany) e uma participação especial de ninguém menos que John Waters.

A sequência dos créditos de abertura já introduz (literalmente) o show de absurdos que estamos prestes a ver com a fecundação do espermatozoide que se transformará no boneco fruto do amor entre Chucky e Tiffany. No pulso do feto, vemos a inscrição “Made in Japan”. Anos depois (?), e por razões desconhecidas, o boneco mirim é afastado de seus pais e começa a ser explorado por um farsante que se passa por ventríloquo, que o batiza de Shitface. Uma criança sensível, andrógina e complexada por conta de sua aparência, Shitface sonha em conhecer seus pais que acredita serem japoneses, conforme indica a inscrição em seu pulso. Ele não entende por que tem pesadelos em que mata pessoas, já que “não faria mal a uma mosca”. Até aqui, já contabilizamos três referências a Psicose: a confusão sexual de Shitface, a cena em que, durante seu pesadelo, ele esfaqueia uma mulher no chuveiro e quando ele não espanta a mosca que pousa em sua mão.

Enquanto isso, em Hollywood, os bonecos de Chucky e Tiffany são estrelas de uma produção cinematográfica baseada em fatos reais que narra os misteriosos assassinatos cometidos nos filmes anteriores da série Brinquedo Assassino. Desprovidos de suas habituais almas possuidoras, os bonecos são operados por truques mecânicos, e num intervalo das filmagens, entrevistados no programa Access Hollywood. Fazendo parte da produção fictícia está Jennifer Tilly interpretando ela mesma, dublando a boneca de Tiffany, personagem que dublou e interpretou também em carne e osso, só que loira, em A Noiva de Chucky. A presença de Tilly, aliás, é o grande destaque de O Filho de Chucky, e ela não se mostra nem um pouco reservada ao tirar sarro de si mesma, se jogando com tudo nas piadas relacionadas à sua persona pública, seu peso, sua voz infantil e ofegante, considerada irritante por muitos, e seus status como atriz do quinto escalão. Sem falar das várias menções jocosas a Ligadas pelo Desejo, seu filme mais célebre.

Voltando à trama, Shitface assiste à entrevista do Access Hollywood e consegue escapar do seu cativeiro, chegando a Los Angeles na esperança de encontrar seus pais. Sem muitas dificuldades, ele vai parar no estúdio onde o filme está sendo rodado, e depois de cruzar com alguns manequins de personagens famosos do horror, incluindo um de Frankenstein, ele se depara com Chucky e Tiffany largados num canto. Emocionado, ele tenta se comunicar com os pais, mas eles permanecem imóveis. Shitface então se lembra do colar que lhe foi deixado e profere o famoso encanto vodu dos outros filmes, inscrito no objeto. Os bonecos de Chucky e Tiffany finalmente voltam à vida e se assustam com a aparência de Shitface, que fica constrangido. Ao perceberem que se trata de seu filho, o casal fica confuso quanto ao sexo dele. Chucky acha que é um menino e resolve chamá-lo de Glen, mas Tiffany acha tratar-se de uma menina e a chama de Glenda. Fica então estabelecida a maior referência de O Filho de Chucky, que é ao clássico trash Glen ou Glenda, obra do infame Ed Wood que lida com travestismo e questões relacionadas a gênero.

Enquanto isso, Jennifer Tilly tenta colocar sua carreira de volta aos eixos e decide lutar pelo papel da Virgem Maria no ÉPICO BÍBLICO que será dirigido por REDMAN. Isso mesmo, o rapper, que também interpreta a si mesmo. Claro que temos piadinhas envolvendo A Paixão de Cristo de Mel Gibson. A cena em que Jennifer faz a leitura de uma das cenas com Redman é particularmente hilária. O problema é que ele prefere manter sua escolha original pro papel, Julia Roberts, o que deixa Jennifer furiosa, já que ela acha que deveria ter interpretado Erin Brockovich. Mas ela não desiste fácil, e decide dormir com Redman para conseguir o papel. Ao descobrirem o plano de Jennifer, Chucky e Tiffany armam um ainda mais diabólico: fazer uma inseminação artificial em Jennifer com o esperma de Chucky e depois transferirem suas almas para os corpos dela e de Redman e a alma de Glen/Glenda pro corpo do bebê. Assim, o casal de bonecos se transformaria no casal de carne e osso mais quente de Hollywood. E a coisa se torna bem mais especial pra Tiffany, já que Jennifer Tilly é sua atriz favorita. Sensacional.

No meio-tempo, há os obrigatórios assassinatos cometidos pela dupla assassina intercalados com a trama de Jennifer, que passa a ser perseguida por um paparazzi intrometido, interpretado por John Waters, depois que um funcionário do estúdio é decapitado. Descobrimos que a assistente dela escreve toda a correspondência dos fãs, numa hilária referência a Crepúsculo dos Deuses que fica ainda mais hilária ao propor que Jennifer Tilly seja uma espécie de Norma Desmond. Glen/Glenda, por sua vez, não entende por que seus pais matam pessoas, perguntando se eles são ninjas assassinos membros da Yakuza. Sim, as piadas com a procedência japonesa do material dos bonecos são constantes.

Ao flagrar John Waters espionando a execução do plano da inseminação, Chucky resolve ir atrás dele acompanhado de Glen. No caminho, enquanto dirigem (Chucky no volante e Glen nos pedais), eles são ultrapassados por uma sósia de Britney Spears. Enfurecido, Chucky a persegue e a faz o carro dela cair num barranco e explodir. “Oops, I did it again”, Chucky diz sarcasticamente. Pai e filho em seguida encontram John Waters revelando as fotos, que incluem uma de Chucky se masturbando, e Glen sem querer acaba cometendo seu primeiro assassinato ao derramar ácido sulfúrico no rosto do paparazzi.

Jennifer continua tentando persuadir Redman a lhe dar o papel da Virgem Maria, enquanto Tiffany tenta se livrar do vício de matar lendo livros de autoajuda, na esperança de agradar sua nova filha e formar uma família feliz. Mas ela não se controla ao testemunhar a atitude misógina de Redman em relação a Jennifer e o estripa na mesa do jantar. A inseminação é finalmente realizada, e no dia seguinte Jennifer acorda com uma barriga de nove meses. Tiffany explica a Chucky que se trata de uma gravidez de vodu, sendo, portanto, acelerada. Glen/Glena continua confuso quanto à sua sexualidade e não sabe se vai querer ser menino ou menina quando chegar o momento da transferência de alma.

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Com a morte de Redman, é preciso um substituto no ritual, então Tiffany, fingindo que é Jennifer ao telefone, convida o motorista da limusine da atriz, que é apaixonado por ela, para uma noite de amor. Ele cai na armadilha e é preso e amordaçado junto a Jennifer na cama. A assistente dela chega, desconfiada de que há algo errado acontecendo na casa de sua patroa, mas é logo aniquilada ao ser queimada e cair do andar de cima. Pensamos que quem cometeu o ato foi Tiffany, e então é revelado que na verdade foi Glen, que finalmente se transformou em Glenda, usando vestido, maquiagem e peruca. Num surto psicótico após ser exposto a várias mortes, ele começa a rir descontroladamente, e volta à realidade ao receber um tabefe de Tiffany.

Chega finalmente a hora do parto, e para a surpresa de todos, Jennifer dá a luz a gêmeos, um menino e uma menina. A polícia chega, e em meio à confusão de escolher um dos bebês pra receber a alma de Glen/Glenda, Chucky se revolta e faz um discurso memorável, dizendo que prefere continuar sendo um boneco possuído e contrariando o objetivo que o impulsionou em todos os outros filmes da série. Ele percebe que é a opção menos complicada, e questiona sobre as vantagens de ser humano. “Você fica doente, velho, o pau não sobe”, ele reflete. Tiffany não gosta do que ouve, e ameaça abandonar Chucky. Ele fica revoltado e diz que ninguém o abandona, e na confusão, o motorista acaba morrendo também, sem conseguir dizer a Jennifer que a ama. O ritual não é realizado e Jennifer vai parar no hospital. Quando ela acorda, se depara com Tiffany, ainda determinada a realizar a transferência, e Glen. Chucky aparece no hospital e começa a destruir a porta do quarto com um machado, numa impagável recriação do famoso momento “here’s Jonny!” de O Iluminado.  Tiffany dá início ao ritual, mas Chucky consegue entrar e acaba matando a ex-noiva com o machado. Glen, em choque, enfrenta o pai e acaba o matando – não sem antes travarem uma luta de artes marciais no melhor estilo O Tigre e o Dragão. É algo que precisa ser visto pra ser crido. O filme ainda conta com um epílogo, mas isso eu deixo pra quem não viu ainda.
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Agora, uma lista com algumas das falas e momentos mais gloriosos de O Filho de Chucky:

 - Jennifer refletindo sobre sua carreira decadente, mencionando sua indicação ao Oscar por Tiros na Broadway;

- Glen/Glenda fazendo xixi nas calças e tendo um tique no olho toda vez que fica com medo;

- Tiffany, seguindo um dos passos de um livro de autoajuda para se livrar de sua dependência assassina, liga pra viúva de um homem que ela matou e se diz arrependida do crime;

- Tiffany repreendendo Jennifer: “Você está se prostituindo para interpretar a Virgem Maria!”;

- Jennifer para Redman: “Agora, Sr. Man... Tudo bem eu te chamar de Red?”

- Tiffany fingindo ser Jennifer para Joan (a assistente) no telefone enquanto Chucky ataca a atriz, que faz barulho gritando e se debatendo: “Ah, é que está passando Ligadas pelo Desejo na TV. Gina Gershon está enfiando o dedo em mim”;

- Chucky se masturbando e colocando seu esperma no frasco;

- Jennifer se beijando com a cabeça decepada do funcionário do estúdio, achando que se trata de um objeto cenográfico;

- Tiffany encantada com o fato de Jennifer Tilly estar a interpretando num filme. Chucky exclama “aquela voz!”, e ela responde: “Eu sei, ela soa como um anjo”;

- O surto de Glen/Glenda no final ao assumir sua identidade feminina;

- John Waters.


Enfim, eu adoro o filme. O roteiro é divertidíssimo, e o projeto alcança brilhantemente seu objetivo, que é ser uma hilária e absurda comédia trash. As cenas de morte são criativas e sanguinolentas, mas sem jamais destoarem do teor cômico da produção. Para os fãs de cinema, não só do gênero horror, há várias referências a filmes célebres. Algumas até não tão facilmente identificáveis, como a menção a À Procura de Mr. Goodbar, quando Jennifer procura por sua barra de chocolate. Gosto especialmente do momento split screen à la De Palma na cena da confusão ao telefone e, claro, da referência mais óbvia a Glen ou Glenda, que é um dos meus filmes favoritos. Brad Dourif, como de costume, tira de letra sua já clássica dublagem de Chucky, enquanto Billy Boyd faz um excelente trabalho dando voz a Glen/Glenda. E, naturalmente, temos a já mencionada performance de Jennifer Tilly, que é a grande estrela de O Filho de Chucky. Aliando maravilhosamente sua sensualidade à sua incrível veia cômica, ela realmente triunfa na metalinguagem do seu papel, garantindo os momentos mais divertidos do filme.

Um quinto retorno do boneco assassino mais famoso do Cinema está previsto pra esse ano em Curse of Chucky, também dirigido por Don Mancini e que, curiosamente, contará com a presença de Fiona Dourif, filha de Brad, no elenco.

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