sexta-feira, 31 de maio de 2013

Nas Garras do Ódio

Título original: The Nanny

Ano: 1965

Direção: Seth Holt

País: Reino Unido

Duração: 91 min

Elenco: Bette Davis, William Dix, Wendy Craig, Jill Bennett, James Villiers, Pamela Franklin
Avaliação:
Sinopse:
Fedelho de 10 anos acusa a babá de tudo de ruim que acontece à sua família, incluindo a morte de sua irmã caçula dois anos atrás.

Crítica:
Nas Garras do Ódio faz parte de uma série de thrillers psicológicos de baixo orçamento produzidos pela Hammer a partir dos anos 60 que traziam como principais características a fotografia em preto-e-branco e um obrigatório final-surpresa, bem nos moldes de sucessos da época como As Diabólicas e Psicose. O filme, adaptado de um romance homônimo de Merriam Modell, traz Bette Davis mais uma vez investindo no gênero que revitalizou sua carreira naquele período com filmes como Alguém Morreu em Meu Lugar, O Que Terá Acontecido a Baby Jane? e Com a Maldade na Alma. E apesar de não ser tão bom quanto esses três (e abrir caminho para uma nova fase de estagnação na carreira de Davis), Nas Garras do Ódio tem lá suas qualidades, e conta com uma típica ótima performance da estrela.

Aqui Davis atende simplesmente como “Nanny”, a governanta da família Fane. O filme tem início com ela chegando da rua à casa em que trabalha, onde está havendo uma discussão entre os patrões a respeito do retorno do menino Joey, o filho mais velho do casal. O Sr. Fane está impaciente para ir buscá-lo no internato em que ele passou dois anos, enquanto Virginia, a esposa, chora histericamente, mostrando-se não muito receptiva à ideia de ir junto. Enquanto isso, Nanny segue em seus afazeres pela casa como se nada estivesse acontecendo, dando a ideia de que brigas como aquela são corriqueiras. Descobrimos então que Virginia não está apenas indisposta a ir buscar o filho, mas completamente aterrorizada com a ideia dele voltar pra casa. Temos um flashback dela com a filha caçula de três anos e nos damos conta de que a menina morreu, e que Joey possivelmente teve algo a ver com isso.

Virginia fica em casa e Nanny acaba acompanhando o Sr. Fane ao internato. Conversando com o Sr. Fane, o psiquiatra da instituição explica sobre como fantasias são mais aceitáveis partindo da mente infantil do que vindas de um adulto, e que elas são normais em crianças da idade de Joey. Também cita uma série de distúrbios psiquiátricos que não podem ser descartados. No fim das contas, ele não faz ideia do que Joey tem, então claro que o melhor é mandá-lo de volta pra casa, não é mesmo? Somos apresentados a Joey, que de cara mostra que não é flor que se cheire ao fingir um enforcamento no quarto, quase matando do coração a enfermeira de idade avançada que vem buscá-lo. O psiquiatra diz ao Sr. Fane que Joey parece nutrir uma “antipatia” por mulheres de meia-idade, e em seguida ficamos sabendo que é porque elas o fazem lembrar Nanny.

Com Joey de volta ao lar, fica estabelecida a situação que tomará conta de boa parte do filme: Joey odeia Nanny, e a acusa de ser a responsável pela morte da pequena Susy. Ele a hostiliza de todas as formas, se recusando a comer qualquer coisa feita por ela e até mesmo a ser tocado por ela. Apesar disso, Nanny faz de tudo para agradá-lo, mostrando-se sempre paciente e relevando todas as grosserias do seu “Master Joey”. Além disso, ela aparenta ser a única pessoa da casa remotamente feliz com a volta do menino. Também ficam mais evidentes algumas características do casal Fane. Enquanto Bill se mostra um pai rígido e distante, frequentemente viajando por conta do seu trabalho como mensageiro da Rainha, Virginia é um poço de passividade, vulnerável e dependente dos cuidados de Nanny, e por vezes se encontra chorando, comportando-se como uma criança mimada. Ambos não acreditam na inocência de Joey, posicionando-se sempre a favor de Nanny. Ela, aliás, tem cumprido a sua função na família há vários anos, tendo sido babá de Virginia e de sua irmã Pen, também problemática por causa de uma insuficiência cardíaca que, o filme deixa bem claro, pode matá-la em qualquer eventual situação de estresse ou de esforço físico demasiado.

O tempo passa e Joey segue agressivo e inconveniente, chegando a criar todo um caso para poder trancar a porta do banheiro e impedir que Nanny entre enquanto ele estiver tomando banho. Ele a acusa de tentar matá-lo afogado. A essa altura, o pirralho se mostra tão insuportável que não seria surpreendente a ideia passar pela cabeça de alguma babá. Ele acaba conhecendo a vizinha do apartamento de cima, uma assanhada adolescente de 14 anos que se gaba de encontros amorosos com vários rapazes e passa o tempo fumando cigarros às escondidas. Ele compartilha com ela histórias sobre Nanny, nas quais ela não acredita. Enquanto isso, eles resolvem descarregar suas energias pré-adolescentes tentando matar o leiteiro, atingindo-o do alto com uma jardineira. O leiteiro sobe revoltado pela escada de incêndio querendo dar uma lição em Joey, que é defendido por Nanny. Em seguida, Joey decide pregar uma peça em Nanny com a ajuda da vizinha, mergulhando uma boneca do tamanho de uma criança na banheira cheia de água e deixando a torneira aberta. Ele consegue que Nanny vá até o banheiro fechar a torneira, e quando ela vê a boneca, surta e começa a chorar em desespero. Então foi assim que a pequena Susy morreu. Mas o mistério permanece: quem de fato foi responsável e o que exatamente aconteceu?

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À noite, Nanny serve no jantar um empadão de carne, o prato preferido de Joey, mas ele se recusa a comer. O Sr. Fane já está fora viajando, e Virginia mal consegue lidar com o comportamento do filho. Quando Joey se levanta da mesa, diz à mãe que a odeia, e ela começa a chorar de novo. Nesse ponto, fica difícil decidir quem é mais irritante, Joey ou Virginia. Nanny então começa a dar comida na boca dela, como se estivesse alimentando uma pessoa doente. Logo em seguida, Virginia é levada ao hospital pelo pai médico da vizinha com suspeita de intoxicação alimentar, e o frasco de um dos remédios de Nanny é encontrado escondido no travesseiro de Joey. Acusado de envenenar a própria mãe, ele se recusa a ficar sozinho com Nanny enquanto a mãe está fora, e tia Pen é chamada pra tomar conta dele.

Durante a noite, Pen é acordada violentamente por Joey molhado e enrolado numa toalha, acusando Nanny de ter tentado afogá-lo. Pen não acredita e dá um bofete nele, e começa a sentir fortes dores no peito e dificuldades pra respirar. Nanny vem ao socorro dela e lhe dá seu remédio, e as duas lamentam pelo comportamento de Joey. Mais tarde, no meio da madrugada, Pen flagra Nanny com um travesseiro na mão prestes a entrar no quarto de Joey. Nanny diz que só estava levando um travesseiro mais alto pra Joey, mas Pen lembra que durante sua infância Nanny dizia que crianças não deveriam usar travesseiros grandes porque poderiam se sufocar e morrer asfixiadas. Ela associa a lembrança com o a situação estranha e as acusações de Joey e conclui que Nanny é a verdadeira vilã. Quando ela tenta puxar o travesseiro das mãos da outra, Nanny segura com bastante força, provocando um esforço em Pen que a leva a mais uma crise de dor. Quando ela tenta alcançar seu remédio, Nanny a impede e então começa a contar sua história, enquanto Pen morre lentamente.


Ficamos então sabendo o que realmente aconteceu através de um flashback (na verdade, já havia sido exibido antes um flashback com a versão de Joey da história, mas vamos condensar tudo aqui). Um belo dia, Nanny recebe a ligação de um médico, solicitando com urgência a presença dela num determinado local, e ela acaba saindo e deixando Joey e Susy sozinhos em casa. Quando Nanny chega ao endereço de destino, se depara com uma espécie de abrigo, um lugar muito pobre, onde está o corpo de sua filha ilegítima Janet. O médico diz que a jovem morreu por conta de um aborto malsucedido, e que solicitou a presença da mãe porque sentiu que morreria em poucas horas. As duas não mantinham contato, exceto por uma insignificante ajuda financeira de Nanny. Ela fica muito abalada e volta chorando o caminho todo.

Enquanto isso, em casa, Joey brinca com seus trens, quando Susy chega e implora para que ele a deixe brincar junto. Ele a despreza e a manda ir brincar com suas bonecas, e ela vai. Ela resolve brincar de dar banho numa boneca, mas a boneca acaba caindo na banheira, fora de seu alcance. Por ser muito pequena, ela pega um banco e sobe para poder entrar na banheira, mas acaba se desequilibrando e cai. Joey ouve o barulho da pancada, mas continua brincando mesmo sabendo que não há mais ninguém em casa. Quando Nanny chega, já é hora do banho, e ela, muito abatida e fazendo as coisas automaticamente, liga a torneira da banheira. Como as cortinas estão fechadas e ela coloca apenas o braço pra alcançar a torneira, ela não vê Susy. A banheira enche, e quando Nanny finalmente volta, depois de procurar Susy pela casa toda, abre a cortina e vê o corpo da menina boiando junto com a boneca. Mas num estado de choque e negação, ela começa a enxergar Susy brincando sorridente, e começa a dar banho nela como se a menina estivesse viva. Enquanto isso, Joey observa tudo da porta do banheiro tendo certeza que Nanny é completamente louca.

Pen finalmente morre, e Nanny acaba tendo a oportunidade de levar Joey desacordado até a banheira cheia de água. Ela começa a afogá-lo, mas algo acaba trazendo-a de volta à realidade e ela salva o garoto. Triste e conformada com seu inevitável destino, ela aguarda que a polícia a leve, enquanto Joey vai visitar a mãe convalescente no hospital, se comportando como um menino inocente e exemplar, dizendo que a partir de agora vai cuidar dela, levando café da manhã na cama numa bandeja com flores, engraxar os sapatos do papai e blablablá. Fala sério.

A forma com que se deu a morte de Susy daria margem para um ótimo drama psicológico, conferindo um interessante grau de complexidade a Nanny e à relação dela com a família Fane, sobretudo com Joey. Afinal, durante mais de vinte anos ela tem vivido à sombra de um segredo do passado – a existência de sua filha – e é uma pena que jamais cheguemos a conhecer suas motivações mais profundas e como esse segredo a afetou exatamente para que ela começasse a agir como uma psicopata. Em vez disso, o roteiro maniqueísta de Jimmy Sangster acaba fazendo a revelação final soar gratuita e forçada, se sustentando basicamente no mistério de quem é o mocinho e o vilão e castrando a densidade que os personagens poderiam ter.

Joey, por exemplo, passa o filme inteiro se comportando como um menino cínico e endiabrado, sendo negligente com a própria irmã e até rindo maldosamente às escondidas depois de proferir acusações à Nanny. Sim, até certo ponto poderia ter sido uma reação dele à cegueira dos pais em relação à babá, mas ainda assim não convence. No fim, revelado "inocente", ele acaba soando ainda mais ameaçador. Quanto a Nanny, não sabemos se a decisão dela em começar a matar a família inteira foi consequente do trauma da morte de sua própria filha ou se é algo que já vinha se desenvolvendo há mais tempo. O fato é que ela nunca havia deixado as crianças sozinhas até o dia em que Susy morreu, e é muito provável que a menina já estivesse morta quando as torneiras da banheira foram ligadas. Sem falar que a devoção dela à família Fane foi o que aparentemente a impediu de tomar conta da própria filha, então tudo leva a crer que de certa forma os seus atos assassinos foram uma espécie de vingança. E é inevitável sentir certa simpatia por Nanny, já que em seus momentos lúcidos ela era a única que parecia realmente amar as crianças, negligenciadas por um pai frio e ausente e uma mãe emocionalmente instável.
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A primeira hora do filme é bastante divertida e envolvente, porém de uma forma mais superficial, com uma estrutura de trama de mistério hitchcockiano bem convencional. O grande problema é que quando as revelações acontecem, elas acabam trazendo certos elementos que tornam a história e os personagens bem mais complexos do que pareciam ser até então, só que é tudo exposto de uma forma tão equivocada e gratuita que em retrospecto a experiência acaba se tornando frustrante. É como se a partir da revelação do mistério o filme tivesse que acabar o mais rápido possível pra não fatigar o espectador (e como se a sustentação desse mistério fosse a única coisa capaz de prender a atenção). Há uma ótima base na trama que poderia ter sido melhor desenvolvida, e a história por trás do mistério chega a ser comovente. Sendo assim é uma pena que a reviravolta final acabe soando como um mero gimmick.

Bette Davis como sempre é um grande atrativo não importa as circunstâncias, e nos brinda com uma ótima performance apesar das limitações do roteiro. William Dix como o menino Joey é também bastante convincente, e fiquei surpreso ao descobrir que a filmografia dele se resume a apenas mais um filme além deste. O resto do elenco não deixa a desejar. A direção de Seth Holt é correta como de costume, e ele faz o seu melhor com o material que tem em mãos. O grande equívoco mesmo é a abordagem do roteiro de Sangster, que possivelmente acabou adaptando uma história de camadas mais complexas a um formato que, por natureza, suporta apenas tramas de menor densidade. De qualquer forma, Nas Garras do Ódio é um trabalho que merece ser conferido pelos admiradores de Davis e por entusiastas do gênero, especialmente se estes tiverem interesse nessa fase da Hammer.

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