terça-feira, 11 de março de 2014

Último Tango em Paris

Título original: Ultimo Tango a Parigi

Ano: 1972

Direção: Bernardo Bertolucci

País: França / Itália

Duração: 136 min

Elenco: Marlon Brando, Maria Schneider, Jean-Pierre Léaud, Massimo Girotti, Maria Michi
Avaliação:
Sinopse:
Um viúvo americano de meia-idade e uma jovem francesa iniciam um relacionamento secreto baseado em sexo casual.

Crítica:
No meu texto sobre O Porteiro da Noite, iniciei a discussão falando sobre como é interessante ver com os olhos de hoje um filme que causou grande controvérsia quando foi lançado originalmente há 30 ou 40 anos. Não para comparações injustas, claro, mas para avaliar se a obra ainda se mantém interessante, consistente e com uma mensagem relevante independente das polêmicas que a rodeiam. Falar sobre Último Tango em Paris é meio difícil, afinal, não é só um filme notório pela enorme controvérsia que gerou em 1972, mas um grande divisor de águas em relação à maneira como o grande público passou a encarar as possibilidades do cinema comercial para além do entretenimento puro, com novos limites sendo estabelecidos entre o pertinente e o inaceitável, o acessível e o subjetivo, o artístico e o pornográfico. Entre outras coisas, a provocadora obra de Bertolucci trazia um astro hollywoodiano do porte de Marlon Brando em cenas relativamente explícitas de sexo, revelando fantasias doentias envolvendo vômito de porcos e recebendo um fio-terra enquanto filosofa sobre o útero do medo e o cu da morte. Mas todas essas coisas você provavelmente já sabe e, em última instância, são só detalhes.

A verdade é que para uma produção tão ostensivamente desafiadora, Último Tango em Paris é bem menos que a soma de suas partes. Sendo assim, vamos por elas. A história começa com Paul (Brando), um americano de meia-idade, gritando no meio da rua. Em seguida, surge Jeanne (Maria Schneider), uma jovem e bela parisiense que cruza o caminho de Paul e dá uma boa olhada na figura do sujeito antes de seguir em frente. Por acaso, momentos depois Jeanne acaba encontrando Paul no interior do apartamento vazio que resolveu visitar. Enquanto discutem sobre quem deve alugar o apartamento, rola um clima e os dois acabam fazendo sexo no local, de forma intensa e desajeitada. Depois da trepada casual, ambos seguem seus rumos e passamos a conhecer as vidas paralelas dos nossos protagonistas.

Paul é um recém-viúvo tentando lidar com a dor provocada pelo suicídio da esposa, que pra piorar a situação mantinha um caso com outro homem. E “tentando lidar” na visão de Paul quer dizer tratar todo mundo como lixo, com oscilações extremas de temperamento e ofensas gratuitas, como se ele fosse a única pessoa na Terra a ser afligida por algum sofrimento. Ele, aliás, alega não fazer ideia dos motivos que levaram a esposa a traí-lo e depois cortar os pulsos, mas se descartarmos a possibilidade remota dele ter virado um canalha egoísta e abusivo da noite pro dia, as razões são bem óbvias. Jeanne, por sua vez, é uma jovem sem grandes aspirações, tentando encontrar um sentido pra vida, descobrir a própria identidade e blablablá. Claro que ela está fazendo isso errado, algo de que temos certeza quando somos apresentados ao seu noivo, um aspirante a cineasta irritante e efusivo que decide filmar um documentário sobre a vida de Jeanne perseguindo-a pra cima e pra baixo com sua câmera. Parte do interesse se deve ao fato de Jeanne ser filha de um famoso herói de guerra, morto em combate dez anos atrás.

No dia seguinte, Jeanne e Paul se encontram novamente no apartamento vazio para mais uma sessão de sexo, mas não sem antes Paul estabelecer a regra de que a coisa a partir dali se resumirá unicamente a isso: nada de nomes nem revelações sobre a vida pessoal de cada um. Jeanne acha estranho, mas acaba concordando com o relacionamento clandestino, tamanho é o tédio que consome o seu dia-a-dia. O tempo passa e o filme segue alternando momentos que mostram as vidas separadas de cada um e os momentos que passam juntos no apartamento. A narrativa enfraquece nas cenas que mostram os personagens separados, especialmente no caso de Jeanne. Ainda que ela passe boa parte do tempo contando histórias sobre a infância e o pai enquanto é filmada pro tal documentário (e pense em cenas que se arrastam), muito pouco da personagem é revelado emocionalmente, e as reais razões dela se submeter aos caprichos do noivo pateta insuportável (por que raios ela está com ele, afinal?) permanecem nebulosas. No caso de Paul, a atuação de Brando, incluindo momentos de improviso e de total histrionismo, compensa algumas inconsistências provocadas pelo tom episódico que o filme adota. Em determinado ponto, Último Tango praticamente se consolida como um exploitation de esquetes de Brando versão bipolar perigosamente sensível abusando emocionalmente de todos à sua volta.

No apartamento, Paul se permite por um momento ser mais flexível com Jeanne e os dois contam um pro outro histórias pessoais. Num dos pontos altos do filme, Paul narra uma história sobre a sua infância que foi totalmente improvisada por Brando, contando o que na verdade era uma história do seu próprio passado. Anos depois, Brando, que sempre valorizou sua privacidade, expressou arrependimento por ter revelado tanto de si mesmo no filme, supostamente “manipulado” por Bertolucci. Manipular, aliás, é o que Paul continua a fazer com Jeanne, sendo gentil e aparentemente carinhoso em determinado momento somente para depois se tornar abusivo, torturando a garota física e psicologicamente. Numa cena, ele a aterroriza com um rato morto, e em outra – o infame momento pelo qual o filme é tão famoso – a estupra analmente usando manteiga como lubrificante. É interessante notar que muitos consideram o filme um exemplo máximo do erotismo do cinema “de arte” por cenas como esta, que na verdade nada têm de estimulantes. Exceto pela visão frequente de Schneider usando nada além de uma echarpe, o sexo em Último Tango em Paris é triste, desesperado, deprimente. O resto do filme consiste em uma série de eventos aleatórios que acompanham Paul em níveis mais avançados de sua crise existencial e Jeanne e sua indecisão entre continuar sendo usada pelo noivo e continuar sendo usada por Paul.
O maior problema de Último Tango em Paris é que falta um elo essencial entre os elementos da história que dê consistência ao filme. É uma narrativa opaca, com características típicas da nouvelle vague, mas nesse caso o estilo acaba soando como justificativa pra um exercício de pretensão e egotismo por parte de Bertolucci e Brando, uma masturbação pseudointelectual de ideias pseudoniilistas. Peguemos a performance de Brando, por exemplo. É inegavelmente boa e rende alguns momentos brilhantes (como a cena dele surtando ao lado do corpo da esposa), mas estes são momentos deslocados, que não contribuem para um arco dramático consistente, não criam uma tensão. As cenas estão apenas lá, com a única função de mostrar que Brando é fodão. Por outro lado, grande parte dessas cenas resultou de improvisos do ator. Há passagens de diálogo inteiras que simplesmente não estavam no roteiro, e é aí que a coisa pega, deixando ainda mais evidente a falta de firmeza da produção. O próprio Brando admitiu que o filme acabou servindo de terapia pra ele, em que ele pôde vomitar traumas e desabafos. Como um statement avant garde de um artista como ele, naquele estágio da carreira, é algo até interessante, mas é também uma das razões pela qual Último Tango em Paris não funciona na unidade.

Maria Schneider, por sua vez, não tem muito que fazer além de exibir seu belo e jovem corpo, assumindo o papel do pedaço de carne que Brando ocasionalmente come. Jeanne é uma personagem que jamais chega a ser explorada de forma satisfatória, por mais presente que esteja no decorrer do filme. Na maior parte do tempo ela age de maneira inverossímil e aleatória, transitando entre as linhas narrativas sem apresentar nada de muito interessante em meio a diálogos nonsense. É interessante observar que a cena da manteiga (mais um improviso de Brando) se tornou meio que um trauma na vida da atriz, que por vezes alegou ter sido ludibriada pelo ator mais velho e pelo diretor no calor do momento pra rodar a cena que não fazia parte do roteiro. Jovem e inexperiente, ela cedeu, mas admitiu ter se sentindo um tanto humilhada pela situação, o que torna a cena ainda mais deprimente. Nem Brando nem Bertolucci a confortaram depois. O curioso é que Bertolucci afirmou que a ideia do filme partiu de suas próprias fantasias sexuais. Pelo visto, esse universo de fantasias é um lugar bem hostil para mulheres.

Dito tudo acima, Último Tango em Paris é esteticamente belíssimo, graças principalmente à direção de fotografia impecável de Vittorio Storaro, o mesmo de Apocalypse Now. E certamente a beleza superficial é um dos fatores que mais contribuem para que o filme seja reconhecido como a obra-prima que lá no fundo não é, sobretudo no contexto em que foi lançado. Lembrem-se, é um filme X-rated estrelado por Marlon Brando! É europeu! É sofisticado! É arte! A famosa e pomposa crítica de Pauline Kael publicada em página dupla no New York Times na ocasião do lançamento não deixa dúvidas, vendendo o filme como algo muito sério, desafiador e grandioso demais para mentes pequenas. A própria arrogância com que o filme foi alardeado pela imprensa e pelos realizadores já denunciam um pouco suas fraquezas. E o fato é que falta a Último Tango em Paris substância suficiente. Apesar de ter méritos, é um filme nitidamente pretensioso e frágil em sua estrutura, um produto calculado muito atrelado às ideologias de sua época, que datou sem deixar marcas mais profundas. Claro, abriu espaço para coisas melhores e se destaca por todas as controvérsias envolvendo os bastidores, o lançamento, e, claro, a cena da manteiga, que continua até hoje uma das grandes running gags da história do Cinema.

3 comentários:

  1. ELE ERA AMERICANO DE QUE PAÍS? AMÉRICA É CONTINENTE, NÃO PAÍS.
    ELE ERA NORTE-AMERICANO. OU ESTADUNIDENSE.

    RAIMUNDO CALCADA

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Impudico. Despudorado. Marlon Brando!

    - Professor Girafales

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