
Um viúvo americano de meia-idade e uma jovem francesa iniciam um relacionamento secreto baseado em sexo casual.
Crítica:
No meu texto sobre O Porteiro da Noite, iniciei a
discussão falando sobre como é interessante ver com os olhos de hoje um filme
que causou grande controvérsia quando foi lançado originalmente há 30 ou 40
anos. Não para comparações injustas, claro, mas para avaliar se a obra ainda se
mantém interessante, consistente e com uma mensagem relevante independente das
polêmicas que a rodeiam. Falar sobre Último Tango em Paris é meio difícil,
afinal, não é só um filme notório pela enorme controvérsia que gerou em 1972, mas
um grande divisor de águas em relação à maneira como o grande público passou a
encarar as possibilidades do cinema comercial para além do entretenimento puro,
com novos limites sendo estabelecidos entre o pertinente e o inaceitável, o
acessível e o subjetivo, o artístico e o pornográfico. Entre outras coisas, a provocadora
obra de Bertolucci trazia um astro hollywoodiano do porte de Marlon Brando em
cenas relativamente explícitas de sexo, revelando fantasias doentias envolvendo
vômito de porcos e recebendo um fio-terra enquanto filosofa sobre o útero do
medo e o cu da morte. Mas todas essas coisas você provavelmente já sabe e, em
última instância, são só detalhes.
A verdade é que para uma produção tão ostensivamente desafiadora,
Último Tango em Paris é bem menos que a soma de suas partes. Sendo assim, vamos
por elas. A história começa com Paul (Brando), um americano de meia-idade,
gritando no meio da rua. Em seguida, surge Jeanne (Maria Schneider), uma jovem
e bela parisiense que cruza o caminho de Paul e dá uma boa olhada na figura do
sujeito antes de seguir em frente. Por acaso, momentos depois Jeanne acaba
encontrando Paul no interior do apartamento vazio que resolveu visitar.
Enquanto discutem sobre quem deve alugar o apartamento, rola um clima e os dois
acabam fazendo sexo no local, de forma intensa e desajeitada. Depois da trepada
casual, ambos seguem seus rumos e passamos a conhecer as vidas paralelas dos
nossos protagonistas.
Paul é um recém-viúvo tentando lidar com a dor provocada
pelo suicídio da esposa, que pra piorar a situação mantinha um caso com outro
homem. E “tentando lidar” na visão de Paul quer dizer tratar todo mundo como
lixo, com oscilações extremas de temperamento e ofensas gratuitas, como se ele
fosse a única pessoa na Terra a ser afligida por algum sofrimento. Ele, aliás,
alega não fazer ideia dos motivos que levaram a esposa a traí-lo e depois
cortar os pulsos, mas se descartarmos a possibilidade remota dele ter virado um
canalha egoísta e abusivo da noite pro dia, as razões são bem óbvias. Jeanne,
por sua vez, é uma jovem sem grandes aspirações, tentando encontrar um sentido
pra vida, descobrir a própria identidade e blablablá. Claro que ela está
fazendo isso errado, algo de que temos certeza quando somos apresentados ao seu
noivo, um aspirante a cineasta irritante e efusivo que decide filmar um
documentário sobre a vida de Jeanne perseguindo-a pra cima e pra baixo com sua
câmera. Parte do interesse se deve ao fato de Jeanne ser filha de um famoso
herói de guerra, morto em combate dez anos atrás.
No dia seguinte, Jeanne e Paul se encontram novamente no
apartamento vazio para mais uma sessão de sexo, mas não sem antes Paul
estabelecer a regra de que a coisa a partir dali se resumirá unicamente a isso:
nada de nomes nem revelações sobre a vida pessoal de cada um. Jeanne acha
estranho, mas acaba concordando com o relacionamento clandestino, tamanho é o
tédio que consome o seu dia-a-dia. O tempo passa e o filme segue alternando
momentos que mostram as vidas separadas de cada um e os momentos que passam
juntos no apartamento. A narrativa enfraquece nas cenas que mostram os
personagens separados, especialmente no caso de Jeanne. Ainda que ela passe boa
parte do tempo contando histórias sobre a infância e o pai enquanto é filmada
pro tal documentário (e pense em cenas que se arrastam), muito pouco da
personagem é revelado emocionalmente, e as reais razões dela se submeter aos
caprichos do noivo pateta insuportável (por que raios ela está com ele,
afinal?) permanecem nebulosas. No caso de Paul, a atuação de Brando, incluindo
momentos de improviso e de total histrionismo, compensa algumas inconsistências
provocadas pelo tom episódico que o filme adota. Em determinado ponto, Último
Tango praticamente se consolida como um exploitation de esquetes de Brando
versão bipolar perigosamente sensível abusando emocionalmente de todos à sua
volta.
No apartamento, Paul se permite por um momento ser mais
flexível com Jeanne e os dois contam um pro outro histórias pessoais. Num dos
pontos altos do filme, Paul narra uma história sobre a sua infância que foi
totalmente improvisada por Brando, contando o que na verdade era uma história
do seu próprio passado. Anos depois, Brando, que sempre valorizou sua
privacidade, expressou arrependimento por ter revelado tanto de si mesmo no
filme, supostamente “manipulado” por Bertolucci. Manipular, aliás, é o que Paul
continua a fazer com Jeanne, sendo gentil e aparentemente carinhoso em
determinado momento somente para depois se tornar abusivo, torturando a garota
física e psicologicamente. Numa cena, ele a aterroriza com um rato morto, e em
outra – o infame momento pelo qual o filme é tão famoso – a estupra analmente
usando manteiga como lubrificante. É interessante notar que muitos consideram o
filme um exemplo máximo do erotismo do cinema “de arte” por cenas como esta,
que na verdade nada têm de estimulantes. Exceto pela visão frequente de
Schneider usando nada além de uma echarpe, o sexo em Último Tango em Paris é triste,
desesperado, deprimente. O resto do filme consiste em uma série de eventos
aleatórios que acompanham Paul em níveis mais avançados de sua crise existencial
e Jeanne e sua indecisão entre continuar sendo usada pelo noivo e continuar
sendo usada por Paul.
O maior problema de Último Tango em Paris é que falta um
elo essencial entre os elementos da história que dê consistência ao filme. É
uma narrativa opaca, com características típicas da nouvelle vague, mas nesse
caso o estilo acaba soando como justificativa pra um exercício de pretensão e egotismo
por parte de Bertolucci e Brando, uma masturbação pseudointelectual de ideias pseudoniilistas.
Peguemos a performance de Brando, por exemplo. É inegavelmente boa e rende
alguns momentos brilhantes (como a cena dele surtando ao lado do corpo da
esposa), mas estes são momentos deslocados, que não contribuem para um arco
dramático consistente, não criam uma tensão. As cenas estão apenas lá, com a
única função de mostrar que Brando é fodão. Por outro lado, grande parte dessas
cenas resultou de improvisos do ator. Há passagens de diálogo inteiras que
simplesmente não estavam no roteiro, e é aí que a coisa pega, deixando ainda
mais evidente a falta de firmeza da produção. O próprio Brando admitiu que o
filme acabou servindo de terapia pra ele, em que ele pôde vomitar traumas e
desabafos. Como um statement avant garde de um artista como ele, naquele
estágio da carreira, é algo até interessante, mas é também uma das razões pela
qual Último Tango em Paris não funciona na unidade.
Maria Schneider, por sua vez, não tem muito que fazer
além de exibir seu belo e jovem corpo, assumindo o papel do pedaço de carne que
Brando ocasionalmente come. Jeanne é uma personagem que jamais chega a ser
explorada de forma satisfatória, por mais presente que esteja no decorrer do
filme. Na maior parte do tempo ela age de maneira inverossímil e aleatória,
transitando entre as linhas narrativas sem apresentar nada de muito
interessante em meio a diálogos nonsense. É interessante observar que a cena da
manteiga (mais um improviso de Brando) se tornou meio que um trauma na vida da
atriz, que por vezes alegou ter sido ludibriada pelo ator mais velho e pelo
diretor no calor do momento pra rodar a cena que não fazia parte do roteiro. Jovem
e inexperiente, ela cedeu, mas admitiu ter se sentindo um tanto humilhada pela
situação, o que torna a cena ainda mais deprimente. Nem Brando nem Bertolucci a
confortaram depois. O curioso é que Bertolucci afirmou que a ideia do filme
partiu de suas próprias fantasias sexuais. Pelo visto, esse universo de
fantasias é um lugar bem hostil para mulheres.
Dito tudo acima, Último Tango em Paris é esteticamente
belíssimo, graças principalmente à direção de fotografia impecável de Vittorio
Storaro, o mesmo de Apocalypse Now. E certamente a beleza superficial é um dos
fatores que mais contribuem para que o filme seja reconhecido como a obra-prima
que lá no fundo não é, sobretudo no contexto em que foi lançado. Lembrem-se, é
um filme X-rated estrelado por Marlon Brando! É europeu! É sofisticado! É arte!
A famosa e pomposa crítica de Pauline Kael publicada em página dupla no New
York Times na ocasião do lançamento não deixa dúvidas, vendendo o filme como
algo muito sério, desafiador e grandioso demais para mentes pequenas. A própria
arrogância com que o filme foi alardeado pela imprensa e pelos realizadores já
denunciam um pouco suas fraquezas. E o fato é que falta a Último Tango em Paris
substância suficiente. Apesar de ter méritos, é um filme nitidamente
pretensioso e frágil em sua estrutura, um produto calculado muito atrelado às ideologias de
sua época, que datou sem deixar marcas mais profundas. Claro, abriu espaço para
coisas melhores e se destaca por todas as controvérsias envolvendo os
bastidores, o lançamento, e, claro, a cena da manteiga, que continua até hoje uma
das grandes running gags da história do Cinema.
ELE ERA AMERICANO DE QUE PAÍS? AMÉRICA É CONTINENTE, NÃO PAÍS.
ResponderExcluirELE ERA NORTE-AMERICANO. OU ESTADUNIDENSE.
RAIMUNDO CALCADA
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirImpudico. Despudorado. Marlon Brando!
ResponderExcluir- Professor Girafales