
Um jovem soldado morto no Vietnã volta pra casa como um zumbi.
Crítica:
Dirigido por Bob Clark, o responsável pelos clássicos Noite do Terror e Children Shouldn’t Play with Dead Things, Deathdream é uma verdadeira gema do horror do início dos anos 70 que se destaca por ser um dos primeiros longas de ficção a abordar o tema da Guerra do Vietnã, assunto bastante delicado na época da produção já que o conflito ainda não havia chegado ao fim. Livremente inspirado no conto A Pata do Macaco, de W. W. Jacobs, Deathdream traz um jovem soldado que retorna como um zumbi/vampiro do campo de batalha para retratar numa esfera alegórica os profundos danos emocionais e psicológicos causados pelos horrores vividos na guerra, refletindo também a dificuldade dos ex-combatentes e suas famílias no processo de readaptação à normalidade. Uma premissa bem interessante, que desenvolve-se de forma satisfatória amparada por uma narrativa enxuta, ótimas atuações e uma atmosfera genuinamente inquietante.
O filme começa com Andy, nosso soldado em questão, sendo atingido nas trincheiras. Durante os créditos, o filme é apresentado sob o título original Dead of Night, o que nos leva ao interessante fato de que trata-se de uma daquelas produções que foram lançadas e relançadas com zilhões de títulos diferentes. Entre eles estão Whispers, The Night Andy Came Home e Night Walk. Foi com Deathdream, no entanto, que o filme se firmou de vez como clássico cult, sendo esse o título preferido pelo roteirista Alan Ormsby. Mas voltemos... Somos apresentados à família de Andy reunida à mesa do jantar. Enquanto o pai e a irmã tentam aceitar e superar a ideia de que Andy dificilmente voltará, a mãe permanece inabalável acreditando no contrário, num estado quase psicótico de negação à probabilidade do filho já ter morrido. O mundo vem ao chão quando um oficial bate à porta para entregar um telegrama finalmente confirmando a morte de Andy. Charlie, o pai, chora conformado e consola a filha Cathy, enquanto Christine, a mãe, entra em desespero, recusando-se a acreditar na notícia.
Para a surpresa de todos, no meio da madrugada Andy aparece na sala de casa. A família, incrédula, o recebe calorosamente, porém ele não aparenta ser o mesmo Andy de antes. Pálido, apático e com uma sinistra inexpressividade, ele simplesmente ignora a alegria dos pais e da irmã e encara cada um com um olhar de gelar a alma. Ele se recusa a comer e a comunicar aos amigos e conhecidos que voltou. O improvável reencontro familiar culmina num momento particularmente perturbador em que, depois que Andy afirma que “estava morto”, todos começam a rir freneticamente. A edição é bem eficaz em evidenciar a bizarrice da situação através de vários closes nos rostos de cada um gargalhando de forma exagerada, não deixando dúvidas de que há algo muito, muito errado acontecendo.
As coisas ficam ainda mais tensas quando mortes começam a acontecer. A primeira é a do caminhoneiro que deu carona a Andy na noite em que ele voltou pra casa, cujo corpo é descoberto na manhã seguinte. Aos poucos desconfianças começam a pairar, enquanto Andy segue com o seu comportamento cada vez mais estranho, sempre lacônico, irritadiço e agressivo com as crianças da vizinhança e o cachorro da família. Além disso, ele passa boa parte do tempo balançando-se obsessivamente em sua cadeira de balanço, o que garante algumas sequências bem arrepiantes. A vítima seguinte acaba sendo Butch, o pobre cãozinho de estimação, que é violentamente estrangulado por Andy na frente de um grupo de crianças. Revoltado, Charlie recorre à bebida para se consolar e aos poucos começa a se impor em relação à atitude de Andy. Christine, por sua vez, segue negligente, sempre acobertando os atos do seu amado filho inclusive quando estes se tornam mais graves e violentos.
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Charlie então pede ajuda ao amigo Dr. Allman, para que ele veja Andy e dê a sua opinião de médico. Durante uma conversa tensa, o Dr. Allman insinua que Andy foi o autor do assassinato do caminhoneiro na outra noite, o que deixa o jovem visivelmente irritado. Às escondidas, ele vai atrás do médico no hospital e finalmente revela sua nova natureza bestial, mostrando o rosto parcialmente necrosado e uma aparência cadavérica (cortesia de Tom Savini, em seu primeiro trabalho como maquiador). Quando o Dr. Allman constata que Andy tão tem pulso, finalmente se dá conta do tipo de situação em que se meteu, antes de ser apunhalado diversas vezes com uma seringa. Depois Andy usa a seringa para se injetar com o sangue do médico e poder, então, “rejuvenescer”. A cena claramente simboliza a situação de muitos dos soldados que conseguiram retornar pra casa, que, fragilizados emocionalmente, acabaram se tornando dependentes químicos. E de certa forma mostra também que a violência acaba se tornando um vício, já que, no caso de Andy, alimentar-se com sangue humano vira a única forma de ele continuar vivo.
O horror continua quando Cathy resolve organizar um encontro duplo, para que assim Andy reencontre Joanne, sua antiga namorada. De óculos escuros e luvas negras para esconder as lesões causadas pela falta de sangue, Andy aparece para o reencontro com Joanne, que tem seu abraço friamente rejeitado. A bem-intencionada ida ao drive-in acaba resultando em tragédia, com Andy devorando Joanne no banco de trás (num bem colocado momento de humor negro) e depois tocando o terror passando por cima de tudo com o carro. De volta pra casa, já totalmente transformado fisicamente, sua mãe o aguarda para fugir da cidade. O final não é feliz, e a última cena chega a ser comovente, fugindo das convenções dos filmes de terror em favor de uma conclusão à altura de um drama familiar bem contado.
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Apesar de se configurar como um filme de terror, a maior força de Deathdream está no drama proveniente do retrato de uma família em desintegração, simbolizando a destruição do sonho americano. Ormsby realmente investe nos conflitos desencadeados pela volta de Andy pra casa, conseguindo manter a seriedade do tema sem comprometer os elementos do horror tradicional. E nisso temos performances maravilhosas de todo o elenco, com destaque para John Marley, que confere ao seu personagem um genuíno sentimento de angústia e decepção, e Richard Backus, que nos presenteia com um vilão aterrorizante e comovente. Seu olhar gélido e cheio de ódio, aliás, foi o que garantiu a Buckus o papel no filme, já que esse era o olhar que ele costumava lançar para o agente de casting durante o processo de seleção dos atores.
Nitidamente de baixo orçamento, Deathdream consegue driblar as limitações de um terreno predominantemente trash/exploitation para se tornar algo mais denso e quase poético, embora não ao ponto de não funcionar apenas como ótimo entretenimento. Investindo sobretudo na atmosfera, Clark consegue estabelecer um clima realmente aterrorizante, reforçado por um andamento lento e uma trilha sonora ameaçadoramente econômica. Definitivamente um pequeno grande filme que, apesar do status cult, nunca obteve o reconhecimento merecido, de um diretor igualmente subestimado que acabaria influenciando obras de mestres como John Carpenter e David Cronenberg (A Mosca, alguém?). Um clássico perdido indispensável pra qualquer fã de horror.
O filme começa com Andy, nosso soldado em questão, sendo atingido nas trincheiras. Durante os créditos, o filme é apresentado sob o título original Dead of Night, o que nos leva ao interessante fato de que trata-se de uma daquelas produções que foram lançadas e relançadas com zilhões de títulos diferentes. Entre eles estão Whispers, The Night Andy Came Home e Night Walk. Foi com Deathdream, no entanto, que o filme se firmou de vez como clássico cult, sendo esse o título preferido pelo roteirista Alan Ormsby. Mas voltemos... Somos apresentados à família de Andy reunida à mesa do jantar. Enquanto o pai e a irmã tentam aceitar e superar a ideia de que Andy dificilmente voltará, a mãe permanece inabalável acreditando no contrário, num estado quase psicótico de negação à probabilidade do filho já ter morrido. O mundo vem ao chão quando um oficial bate à porta para entregar um telegrama finalmente confirmando a morte de Andy. Charlie, o pai, chora conformado e consola a filha Cathy, enquanto Christine, a mãe, entra em desespero, recusando-se a acreditar na notícia.
Para a surpresa de todos, no meio da madrugada Andy aparece na sala de casa. A família, incrédula, o recebe calorosamente, porém ele não aparenta ser o mesmo Andy de antes. Pálido, apático e com uma sinistra inexpressividade, ele simplesmente ignora a alegria dos pais e da irmã e encara cada um com um olhar de gelar a alma. Ele se recusa a comer e a comunicar aos amigos e conhecidos que voltou. O improvável reencontro familiar culmina num momento particularmente perturbador em que, depois que Andy afirma que “estava morto”, todos começam a rir freneticamente. A edição é bem eficaz em evidenciar a bizarrice da situação através de vários closes nos rostos de cada um gargalhando de forma exagerada, não deixando dúvidas de que há algo muito, muito errado acontecendo.
As coisas ficam ainda mais tensas quando mortes começam a acontecer. A primeira é a do caminhoneiro que deu carona a Andy na noite em que ele voltou pra casa, cujo corpo é descoberto na manhã seguinte. Aos poucos desconfianças começam a pairar, enquanto Andy segue com o seu comportamento cada vez mais estranho, sempre lacônico, irritadiço e agressivo com as crianças da vizinhança e o cachorro da família. Além disso, ele passa boa parte do tempo balançando-se obsessivamente em sua cadeira de balanço, o que garante algumas sequências bem arrepiantes. A vítima seguinte acaba sendo Butch, o pobre cãozinho de estimação, que é violentamente estrangulado por Andy na frente de um grupo de crianças. Revoltado, Charlie recorre à bebida para se consolar e aos poucos começa a se impor em relação à atitude de Andy. Christine, por sua vez, segue negligente, sempre acobertando os atos do seu amado filho inclusive quando estes se tornam mais graves e violentos.
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Charlie então pede ajuda ao amigo Dr. Allman, para que ele veja Andy e dê a sua opinião de médico. Durante uma conversa tensa, o Dr. Allman insinua que Andy foi o autor do assassinato do caminhoneiro na outra noite, o que deixa o jovem visivelmente irritado. Às escondidas, ele vai atrás do médico no hospital e finalmente revela sua nova natureza bestial, mostrando o rosto parcialmente necrosado e uma aparência cadavérica (cortesia de Tom Savini, em seu primeiro trabalho como maquiador). Quando o Dr. Allman constata que Andy tão tem pulso, finalmente se dá conta do tipo de situação em que se meteu, antes de ser apunhalado diversas vezes com uma seringa. Depois Andy usa a seringa para se injetar com o sangue do médico e poder, então, “rejuvenescer”. A cena claramente simboliza a situação de muitos dos soldados que conseguiram retornar pra casa, que, fragilizados emocionalmente, acabaram se tornando dependentes químicos. E de certa forma mostra também que a violência acaba se tornando um vício, já que, no caso de Andy, alimentar-se com sangue humano vira a única forma de ele continuar vivo.
O horror continua quando Cathy resolve organizar um encontro duplo, para que assim Andy reencontre Joanne, sua antiga namorada. De óculos escuros e luvas negras para esconder as lesões causadas pela falta de sangue, Andy aparece para o reencontro com Joanne, que tem seu abraço friamente rejeitado. A bem-intencionada ida ao drive-in acaba resultando em tragédia, com Andy devorando Joanne no banco de trás (num bem colocado momento de humor negro) e depois tocando o terror passando por cima de tudo com o carro. De volta pra casa, já totalmente transformado fisicamente, sua mãe o aguarda para fugir da cidade. O final não é feliz, e a última cena chega a ser comovente, fugindo das convenções dos filmes de terror em favor de uma conclusão à altura de um drama familiar bem contado.
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Apesar de se configurar como um filme de terror, a maior força de Deathdream está no drama proveniente do retrato de uma família em desintegração, simbolizando a destruição do sonho americano. Ormsby realmente investe nos conflitos desencadeados pela volta de Andy pra casa, conseguindo manter a seriedade do tema sem comprometer os elementos do horror tradicional. E nisso temos performances maravilhosas de todo o elenco, com destaque para John Marley, que confere ao seu personagem um genuíno sentimento de angústia e decepção, e Richard Backus, que nos presenteia com um vilão aterrorizante e comovente. Seu olhar gélido e cheio de ódio, aliás, foi o que garantiu a Buckus o papel no filme, já que esse era o olhar que ele costumava lançar para o agente de casting durante o processo de seleção dos atores.
Nitidamente de baixo orçamento, Deathdream consegue driblar as limitações de um terreno predominantemente trash/exploitation para se tornar algo mais denso e quase poético, embora não ao ponto de não funcionar apenas como ótimo entretenimento. Investindo sobretudo na atmosfera, Clark consegue estabelecer um clima realmente aterrorizante, reforçado por um andamento lento e uma trilha sonora ameaçadoramente econômica. Definitivamente um pequeno grande filme que, apesar do status cult, nunca obteve o reconhecimento merecido, de um diretor igualmente subestimado que acabaria influenciando obras de mestres como John Carpenter e David Cronenberg (A Mosca, alguém?). Um clássico perdido indispensável pra qualquer fã de horror.
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