quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Sangue Ruim

Título original: Bad Blood

Ano: 1989

Direção: Chuck Vincent

País: EUA

Duração: 104 min

Elenco: Georgina Spelvin, Randy Spears, Linda Blair, Carolyn Van Bellinghen, Troy Donahue
Avaliação:
Sinopse:
Viúva rica de meia-idade reencontra filho perdido e fica obcecada com a ideia de que ele é seu falecido marido.

Crítica:
Há uma quantidade considerável de razões para querer assistir a Sangue Ruim. Pra começo de conversa, trata-se de um dos muitos filmes obscuros de baixo orçamento estrelados por Linda Blair no fim dos anos 80, um período particularmente decadente na carreira da atriz que incluiu participações em tranqueiras bizarras como Bruxa - Encontros Diabólicos, Grotesque e O Congelamento. Em segundo lugar, Sangue Ruim não só é dirigido pelo ex-diretor pornô Chuck Vincent como também é protagonizado por dois astros do gênero: a veterana Georgina Spelvin, do clássico O Diabo na Carne de Miss Jones, e o lendário Randy Spears, ainda em início de carreira (para dar uma certa credibilidade à coisa, ambos os atores utilizam pseudônimos aqui, sendo creditados como Ruth Raymond e Gregory Patrick). Em terceiro lugar, a história com ares de Hammer dos anos 60 traz uma vilã alucinada que destrói todos que se colocam entre ela e seu objeto de desejo, que nesse caso é o seu próprio filho. Resumindo, temos Linda Blair no nadir da sua trajetória cinematográfica juntando-se a uma equipe vinda do universo pornô num thriller gótico psicossexual. O quão deliciosamente trash isso pode ser, certo?

Como diz o ditado, você pode sair do pornô, mas o pornô jamais sai de você, e a primeira coisa que vemos em Sangue Ruim é Randy Spears abaixando as calças e colocando seu traje de corrida. Ele interpreta Ted Barnes, um yuppie que trabalha no escritório de advocacia do pai e tem o hábito de trocar de roupa na própria sala antes de sair para se exercitar. Numa de suas corridas, ele esbarra com o dono de uma galeria de arte, que olha pra Ted por menos de meio segundo e exclama com toda a convicção que ele é “o cara da pintura”. Assim, como se tivesse encontrado a modelo da Mona Lisa, totalmente inconfundível mesmo fazendo cooper. Ele então arrasta Ted pra sua galeria, onde a pintura está exposta, e Ted não oferece muita resistência, afinal é supernormal ser abordado por um completo estranho no meio da rua que diz pra você que existe um quadro com o seu retrato pintado. Aliás, uma das primeiras coisas que notamos no filme é que todas as ações são muito urgentes, ninguém perde muito tempo pra pensar nas situações, por mais absurdas que estas sejam. Sendo assim, certos momentos acabam se assemelhando a preâmbulos de filme pornô com historinha, o que nesse caso é completamente natural. Mas enfim... Ted vê o quadro e o retrato realmente se parece muito com ele, só que além de ele nunca ter posado na vida, o quadro foi pintado 25 anos atrás!

Então Linda Blair aparece como Evie, a esposa de Ted que trabalha como corretora de imóveis. Ela está tentando vender um apartamento a um casal de idosos quando Ted invade o local dizendo que ela precisa ir até a galeria imediatamente, mas tem que ser agora mesmo, tipo JÁ. Ela larga os clientes sozinhos no apartamento e vai com Ted até a galeria, que já está fechada, mas mesmo a vários metros de distância, do lado de fora, eles conseguem ver o quadro e Evie diz em choque: “Meu Deus, É VOCÊ!”. Como poderia não ser, né? Daí os dois decidem ir à inauguração da exposição na noite seguinte, onde finalmente conhecem Georgina Spelvin como Arlene Bellings, a pintora do quadro. Ela, já caindo de bêbada, fica paralisada quando vê Ted, e após se recuperar do espanto inicial diz ao casal que a pintura é um retrato de seu falecido marido Joe, e mais: que Ted é nada menos que seu filho desaparecido. Intrigado com a avalanche de informações desnorteantes e se questionando por que raios uma artista podre de rica inventaria uma história tão maluca, Ted decide confrontar sua mãe Wanda (Carolyn Van Bellinghen) sobre sua verdadeira origem. Numa cena incrivelmente longa e de uma dramaticidade digna de novela mexicana, Wanda conta a Ted que o roubou quando ele era bebê. Tudo porque ela não podia ter filhos e seu marido ameaçava deixá-la por causa disso. Há uma série de detalhes mirabolantes envolvendo a relação entre Joe e Wanda, e Arlene conta o resto da história revelando que o marido havia sequestrado Ted para chantagear o pai dela, que não ia nem um pouco com a cara do genro. O Sr. Bellings acabou por assassinar Joe e o bebê jamais foi encontrado. Até agora.

Como foi dito anteriormente, estamos lidando com personagens práticos, que não perdem tempo com detalhes insignificantes, então Ted decide pular todo o drama do “minha vida inteira foi uma mentira” e resolve passar o fim de semana na mansão da nova mamãe junto com Evie para que eles se conheçam melhor. Chegando lá, dão de cara com um regabofe organizado especialmente para Ted, sendo recebidos pela empregada periguete e tagarela Crystal (um nome bastante apropriado, diga-se de passagem), interpretada por Christina Veronica. Ted e Evie têm a oportunidade de socializar com os amigos excêntricos de Arlene, enquanto a anfitriã certifica-se de que Evie coma uma boa quantidade de petiscos e guloseimas durante a festa. Mais tarde, durante a madrugada, Ted avista Arlene perambulando de camisola pelo jardim e decide segui-la. Ele vai atrás e a encontra surtando no cemitério da família, onde seu pai está enterrado, gritando que Joe voltou e gargalhando maniacamente. Isso porque ela acha que Ted é Joe, e a essa altura não restam dúvidas de que a nova mamãe é completamente doida. No caminho de volta pro quarto, Ted é abordado por Crystal, que se oferece de um jeito nada sutil. Ele não cede, mas Arlene vê tudo e não gosta nem um pouquinho. Agora ela precisa tirar do caminho qualquer coisa que atrapalhe a sua felicidade com Ted/Joe.

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Claro que a primeira coisa que ela precisa fazer é se livrar do encosto da mulher de Ted, que vai ficando cada vez mais debilitada por causa de toda a comida envenenada que Arlene tem dado a ela. Por conta disso, Ted é obrigado a acompanhar sozinho Arlene num evento de caridade, mas aos poucos ele começa a ficar desconfortável com o grude excessivo da nova mãe. Finalmente, ele e Evie decidem que é hora de dar o fora, só que no caminho acabam esbarrando no cadáver da pobre Crystal largado no meio da estrada. Os dois acabam tendo que voltar pra mansão, e são aconselhados pelo xerife a continuarem lá durante a investigação. É aí que as coisas ficam realmente tensas. Enquanto Evie continua no quarto comendo comida envenenada, Arlene, vestida como uma princesa da Disney, rodopia alucinada no salão da casa ao som de um jazz de elevador enquanto prepara um jantar à luz de velas pra ela e Ted, que a essa altura passa a ser chamado por ela só de Joe. Evie se dá conta de que a comida está estragada quando vê o gato da casa estrebuchando no chão depois de comer os restos, e com muito esforço consegue chegar ao andar de baixo. Então ela vê Arlene montada em Ted, beijando-o. Numa longa sequência em câmera lenta (surpreendentemente eficiente), Arlene retalha Evie com uma faca até finalmente matá-la cortando sua garganta.


Ted acorda na manhã seguinte completamente amarrado a uma cama no sótão da mansão, e a partir daqui a coisa toda é bem semelhante a Louca Obsessão (lançado no ano seguinte), só que muito mais perturbadora. É também quando Spelvin e Spears têm a chance de dar vazão às suas habilidades interpretativas. Ao se mostrar resistente à loucura de Arlene, Ted sofre todo tipo de tortura, chegando e a ficar sem comer e ter todos os dedos de um pé quebrados pela mãe psicopata, numa cena que imediatamente remete ao famoso momento de Louca Obsessão em que Annie quebra os tornozelos de Paul. Arlene quer desesperadamente ser desejada por Ted/Joe, e no ápice de sua insanidade, estupra o próprio filho numa cena particularmente desconfortável. Enquanto mantém Ted em cativeiro, ela ainda arruma tempo pra organizar uma absurda cerimônia de casamento e despistar as eventuais visitas inesperadas, como o xerife e os pais adotivos de Ted. Finalmente, Ted consegue seduzir Arlene e se soltar das amarras, mas ela consegue nocauteá-lo novamente. Enquanto isso, os pais de Ted, que não engoliram as desculpas esfarrapadas de Arlene, voltam à mansão pra tentarem encontrar o filho, e tem início uma divertida sequência em split screen à la Brian De Palma. Chega o dia do casamento e a coisa culmina numa intensa e demorada troca de sopapos e puxões de cabelo entre Arlene, vestida de noiva, e Wanda. O que eu gosto aqui é que, ao contrário da maioria dos filmes semelhantes da época, a ação final é bastante prolongada e com várias reviravoltas. Arlene finalmente é atingida com um tiro certeiro, e antes de morrer, consegue caminhar até o altar antes de cair ensanguentada. Não contente com a referência a De Palma no uso do split screen, Chuck Vincent ainda faz uma brincadeirinha na cena final, numa homenagem óbvia a Carrie - A Estranha.
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Pois é, é um thriller trash, mas um que se revela bem melhor do que o esperado. Um dos grandes méritos de Sangue Ruim é conseguir conciliar as próprias limitações, sejam financeiras ou artísticas, com um humor autoconsciente na dose certa. O roteiro de Craig Horrall, por exemplo, passa longe de ser dos mais brilhantes, mas a pobreza no desenvolvimento de certas situações e diálogos acaba revelando-se como um atrativo, caindo como uma luva pro tipo de história que está sendo contada. Tudo é muito caricato e exagerado, desde a concepção da trama até as interpretações do elenco, mas a coisa jamais se torna avacalhada. O filme não esconde seu baixo orçamento, porém demonstra claramente uma preocupação com a qualidade, ainda que vez ou outra apele pra elementos duvidosos. No caso da edição, o ótimo uso da câmera lenta e do split screen acaba contrastando com momentos como o movimento grosseiro de câmera pra enquadrar os seios de Georgina Spelvin em determinada cena, ou quando há uma transição tosquérrima antes que possamos ver o pênis de Randy Spears sendo colocado pra fora das calças. Obviamente vícios de produção de filmes eróticos, mas detalhes como esses apenas acrescentam ao charme de Sangue Ruim.

O maior trunfo do filme, no entanto, é a brilhante performance de Spelvin. De certa forma, Sangue Ruim acaba sendo pra ela, dadas as devidas proporções, o que O Que Terá Acontecido a Baby Jane? foi pra Bette Davis ou Almas Mortas pra Joan Crawford: um meio de mostrar uma atriz mais velha e experiente, considerada já distante dos seus “dias de glória”, provando que ainda tem poder de fogo pra segurar sozinha uma plateia. O filme é de Spelvin, e ela aproveita cada momento, inclusive sendo beneficiada por alguns takes bem longos (cortesia da edição bastante econômica) pra mostrar que não está de brincadeira. Convenientemente histriônica, Spelvin nos brinda com uma interpretação divertidíssima, com claras influências de Davis em Baby Jane, inclusive em certos maneirismos e inflexões. Randy Spears, por sua vez, surpreende em seu debut como ator de “filme sério”, conferindo uma dramaticidade inesperada ao seu mocinho. Carolyn Van Bellinghen também merece destaque como Wanda, e Linda Blair, ainda que aqui cumpra apenas a função de coadjuvante de luxo, é sempre um bom motivo pra ver qualquer bagaça.

No fim das contas, Sangue Ruim não é nada exatamente essencial, mas não deixa de ser uma curiosa obra obscura que merece ser redescoberta, seja pelo background da produção ou pela excelente atuação de Georgina Spelvin. Assim como a maioria dos trabalhos não pornográficos de Chuck Vincent, o filme foi relegado ao esquecimento após o lançamento inicial em VHS, jamais tendo sido disponibilizado em DVD. Uma verdadeira raridade, mas felizmente a internet existe e você pode baixar uma cópia da versão legendada em português, extraída do VHS nacional, clicando aqui.

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