terça-feira, 18 de junho de 2013

Comboio do Terror

Título original: Maximum Overdrive

Ano: 1986

Direção: Stephen King

País: EUA

Duração: 97 min

Elenco: Emilio Estevez, Pat Hingle, Laura Harrington, Yeardley Smith, John Short
Avaliação:
Sinopse:
Um grupo de pessoas fica encurralado num posto de gasolina por caminhões assassinos.

Crítica:
Comboio do Terror é um daqueles filmes que de tão ruins acabam se tornando... Bem, piores. Em meados dos anos 80, Stephen King decidiu que deveria finalmente se arriscar como cineasta e adaptar sua obra para a tela grande, sob a justificativa de que uma adaptação cinematográfica realmente digna de Stephen King deveria ser realizada pelo próprio Stephen King (lembre-se, este é o homem que detestou O Iluminado por Stanley Kubrick). Ele então elegeu seu conto “Trucks” para ser transformado em seu primeiro filme como diretor, e se a cena inicial em que King faz uma participação especial como um homem que é chamado de idiota por um caixa eletrônico revela um momento consciente de autoavaliação por parte do autor, a empreitada foi um sucesso.

A trama é tão estúpida quanto parece. Durante um período de sete dias em 1987, a Terra fica envolvida pela cauda de um cometa, o que de alguma forma faz com que todas as máquinas do mundo ganhem vida própria e, consequentemente, impulsos homicidas. O filme começa com a cena mencionada no parágrafo acima, em que o cliente de um banco é xingado pelo caixa eletrônico, e segue com uma série de outros episódios em que aparelhos rebeldes resolvem atacar humanos: uma ponte levadiça se levanta sozinha derrubando carros e caminhões, uma faca elétrica corta o braço de uma garçonete, uma máquina de refrigerantes atira as latinhas como se fossem balas de canhão no treinador de um time de beisebol, e por aí vai. Tudo com aquele humor típico de comédia trash dos anos 80 e embalado pela trilha do AC/DC composta especialmente pro filme. A coisa começa até divertida com os exageros todos, mas depois de meia hora de personagens aleatórios sendo inexplicavelmente atacados por máquinas psicopatas você começa a se perguntar se a história vai em algum momento sair da introdução e partir pro desenvolvimento.

A coisa finalmente se estabelece num posto de abastecimento de caminhões chamado Dixie Boy, onde vários dos personagens aleatórios que vimos durante a primeira meia hora acabam se encontrando. Entre eles estão Bill,o ex-detento que trabalha como cozinheiro na lanchonete do posto interpretado por Emilio Estevez, seu chefe explorador redneck Hendershot, a garçonete Wanda June - a que teve o braço cortado pela faca elétrica -, a viajante Brett, o mecânico Duncan, um farsante vendedor de bíblias e os caipiras recém-casados Connie e Curtis. Connie, aliás, é interpretada por Yeardley Smith, a dona da voz de Lisa Simpson, e é de longe a personagem mais irritante de todas com seus constantes gritos, choramingos e reclamações que são explorados à exaustão como elemento cômico.

Não demora muito pro filme esquecer que todas as máquinas da Terra estão enlouquecidas e passar a focar só nos automóveis, principalmente nos caminhões. Os utensílios usados na lanchonete passam a “agir” normalmente, assim como os carros de Curtis e do vendedor de bíblias que jamais ficam possuídos pela suposta inteligência alienígena. O caminhão mais expressivo do comboio é obviamente o da loja de brinquedos Happy Toyz, que tem na frente a enorme cabeça de um demônio verde. Ele e dezenas de outros caminhões começam a circular o posto, encurralando nosso grupo de heróis destemidos. Tão destemidos que ninguém nunca chega a questionar muito seriamente os motivos do que está acontecendo. Bill e Brett lidam com o evento de forma bem casual, encontrando tempo pra flertar e admirar o céu noturno tomado por nuvens verdes como se fosse uma aurora boreal num momento romântico.

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O que se segue é uma sucessão de confrontos entre os personagens e os caminhões, com alguns membros do grupo eventualmente morrendo das formas mais ridículas. Quando um personagem é atingido por um caminhão, por exemplo, ele explode como se fosse uma bexiga cheia de água. Como é de se esperar, os veículos acabam ficando sem combustível, e um dos caminhões começa a buzinar em código Morse! Felizmente o grupo conta com a presença do menino Deke, o filho de Duncan, que por acaso acabou de tomar um curso de código Morse e é capaz de decifrar a mensagem. A mensagem não é nada menos que um aviso para que as pessoas do grupo reabasteçam os tanques dos caminhões. Quem abastecer não será ferido, mas se o abastecimento não for feito, todos acabam morrendo. Um tanque de guerra chega para garantir que ninguém faça nada errado, enquanto aparentemente todos os caminhões da cidade chegam para serem abastecidos também.


O cansaço toma conta dos sobreviventes (e do espectador) e eles decidem armar um esquema pra escapar do posto, e conseguem isto passando por um tubo de drenagem que vai dar no outro lado da estrada. Enquanto fogem, explodem caminhões com bazucas e outras armas conseguidas no arsenal secreto de Hendershot, finalmente seguindo mar adentro rumo à ilha onde não existem caminhões! O filme termina com um letreiro explicando que após uma semana as máquinas voltaram ao normal, o cometa seguiu seu rumo e os sobreviventes do Dixie Boy continuaram sendo sobreviventes.
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Eu sou um grande entusiasta de filmes trash e produções consideradas ruins em geral, mas acredito que o charme destas, quando existe, se deve à intenção de se fazer algo no mínimo interessante de um ponto de vista artístico. A princípio, um filme é considerado B porque não dispõe de recursos suficientes pra ser um filme A, mas há, sem dúvidas, uma pretensão de sucesso envolvida. Stephen King claramente engatou esse projeto já com a intenção de fazer algo horrível, um filme trash que deveria se sustentar só pelo fato de ser trash, e como vemos aqui, a coisa não funciona dessa forma. Não que não haja momentos divertidos, mas eles são muito raros. Como comédia, Comboio do Terror não é engraçado o suficiente; como ação, não é movimentado e emocionante o suficiente; como ficção científica, os elementos do gênero são ridiculamente insignificantes. No fim, a parcela do que é “tão ruim que fica bom” acaba sendo ofuscada pela parcela bem maior do que é só ruim.

O próprio escritor chegou a relatar que durante a produção de Comboio estava usando bastante cocaína, e que na maior parte do tempo não sabia o que estava fazendo. Isso fica claro durante todo o filme, e a situação piora por se tratar de um diretor sem experiência. O final apressado e sem lógica, especialmente, mostra que realmente não havia o mínimo de bom senso envolvido.  Também não ajuda o fato de que os personagens são totalmente desinteressantes, ficando impossível torcer a favor de algum ou criar alguma empatia. Sem falar do nível de ruindade absurdamente alto das interpretações dos atores, especialmente de Laura Harrington, que consegue ser abismal mesmo quando o roteiro não exige o mínimo de dramaticidade. Infelizmente, estamos falando de atuações que fazem parte da parcela “só ruim” do filme, que jamais se tornam hilárias por serem péssimas (exceto por um momento ou outro de Yeardley Smith). A trilha sonora do AC/DC, por outro lado, é uma das qualidades de Comboio do Terror, e acaba servindo como uma boa distração no decorrer do filme.

Tendo dito tudo isso, eu sou um grande admirador de Stephen King, o escritor. Mas sou do time que prefere ele bem distante das produções cinematográficas baseadas em sua obra, e acho que as mais bem-sucedidas são justamente aquelas que se distanciam um pouco do material original. King tem um tipo de narrativa bem característico que por algum motivo não é bem traduzido no Cinema ou na televisão se a adaptação for muito fiel, e a versão televisiva de O Iluminado produzida em 1997 (roteirizada por ele, pra variar) está aí para provar. Felizmente, Comboio do Terror continua sendo o primeiro e único filme dirigido pelo “Mestre do Horror”, e o ideal é que continue assim.

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