
Título original: Operazione Paura
Ano: 1966 Direção: Mario Bava País: Itália Duração: 83 min Elenco: Giacomo Rossi Stuart, Erika Blanc, Fabienne Dali, Luciano Catenacci, Giovanna Galletti |
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Vilarejo é assombrado pelo fantasma de uma garotinha.
Crítica:
Apesar do que o título em inglês (Kill, Baby, Kill) pode
sugerir, O Ciclo do Pavor não é um exploitation do Russ Meyer com uma gangue de
garotas peitudas tocando o terror na cidade. Na realidade, é um ótimo e
atmosférico horror gótico dirigido por Mario Bava com todos os elementos
essenciais esperados, incluindo casarões em ruínas, aparições fantasmagóricas,
bruxas, bonecas sinistras, cemitérios, muita névoa, ventos uivantes e também um
pouco de surrealismo.
O filme começa com uma mulher correndo e gritando por
socorro num vilarejo, até que ela chega a uma espécie de sacada numa construção
antiga e se joga em cima das grades pontiagudas de um portão, morrendo
empalada. Título e sequência de créditos, enquanto vemos paisagens de cenários
desolados e das ruínas da cidadezinha, entre as quais um grupo de figuras
encapuzadas caminha carregando o caixão com o corpo da mulher. A propósito,
estamos num vilarejo isolado da Transilvânia no início do século XIX. Nisso chega
o Dr. Ewais, encarregado de realizar uma autópsia. No entanto, ele encontra
grande resistência dos moradores e logo fica a par da crença local: a morte da
mulher é mais uma numa série de mortes misteriosas relacionadas a uma maldição que
assola a população, e a origem da desgraça toda está na tal Vila Graps, um
lugar de onde todos fogem como o Diabo foge da cruz.
Mesmo com o muro de resistência e desconfiança, Ewais e o
inspetor Kruger dão prosseguimento à investigação, impedindo o corpo de Irina
Hollander, a mulher morta, de ser enterrado. Então entra na história a bela e
jovem Monica Schuftan, que se apresenta como médica e a única capaz de assistir
Ewais na autópsia. Não vai demorar muito pra ela se revelar a personagem mais
histérica e despreparada da história cuja única função acaba se resumindo a
ficar apavorada e gritar de medo, portanto sim, esta é a nossa mocinha inútil. Mas
enfim, Ewais faz a autópsia e descobre uma moeda de prata introduzida no
coração de Irina, que de acordo com a lenda local é uma forma de apaziguar os
espíritos daqueles que tiveram uma morte violenta. A determinação de Ewais em
investigar a morte não pega bem com os moradores, e na volta pra estalagem onde
está hospedado, ele é encurralado e agredido por dois homens furiosos, que só
não o matam por conta da intervenção de Ruth, a bruxa do vilarejo, na primeira
de suas aparições impactantes com zoom. Ah, e ela desaparece no mesmo estilo
porque ela é uma diva.
Mas não nos esqueçamos de que mais mortes estão por vir,
e é a filha dos donos da estalagem que tem certeza de que será a próxima vítima
quando vê o fantasma de uma garotinha loira na janela. É aí que sabemos que a
aparição do fantasma da menina é a marca da morte, o sinal de que a pessoa que
o vê vai comer capim pela raiz. Ruth é então convocada pra fazer um feitiço de
proteção pra menina, o que significa mais uma entrada triunfal com zoom. Não
podemos deixar de notar a voz grave e penetrante da dubladora de Fabienne Dali,
a atriz que interpreta Ruth, num caso típico do cinema italiano da época em que
atores estrangeiros atuavam em suas línguas maternas, mesmo contracenando com
atores falando em italiano, e depois eram dublados na pós-produção. Mas
voltando à trama, Ruth é confrontada por Ewais depois do ritual, o inspetor
Kruger desaparece e então Ewais decide ir ao casarão da Vila Graps e tentar
desvendar o mistério.
Chegando lá, ele conhece a Baronesa Graps, uma velha
solitária que parece ter poderes sobrenaturais e ser capaz de invocar
espíritos. Aliás, ela me lembra muito a Grace Zabriskie em Twin Peaks, e visto que
há uma conexão com a série que mencionarei mais adiante, fico pensando se O Ciclo
do Pavor foi mais uma das inspirações de David Lynch. Aconselhado pela Baronesa
a dar o fora, Ewais encontra num dos corredores ninguém menos que o fantasma da
garotinha loira, que na realidade se chama Melissa e é a filha da Baronesa que
morreu 20 anos atrás com apenas 7 anos. O problema é que a menina não só não
parece ter 7 anos e sim 12, ela parece ser na verdade UM MENINO de 12 anos
usando peruca. E dando uma pesquisada no IMDb, de fato é o caso: Melissa é
interpretada por um ator creditado como Valerio Valeri. Então aqui estamos nós,
numa história em que os moradores de um vilarejo do século XIX são assombrados
pelo fantasma de uma criança trans. Pra que mais maravilhoso?

Bom, a partir daí a trama se desenvolve de forma
tradicional, com mais mortes, assombrações e revelações bombásticas ao longo da
projeção, e a coisa finalmente se encaminha pro clímax quando Ewais e Monica
decidem se aventurar no casarão da Vila Graps para descobrir se de fato o fantasma de
Melissa está em busca de vingança ou se algo mais sinistro se esconde por trás.
Em determinado momento, os dois acabam se perdendo um do outro. Vem então a
minha cena favorita, que é quando Ewais, preso num loop em que ao abrir uma
porta acaba entrando na mesma sala da qual acabou de sair, corre atrás do que
acaba se revelando uma cópia dele mesmo, num dos momentos mais surpreendentes
do filme. A sequência é executada de tal forma que agora nada me tira da cabeça
que esta foi a inspiração pra cena do último episódio de Twin Peaks em que o
Agente Cooper corre atrás de seu doppelgänger através das salas idênticas do
Black Lodge. Nada tão diretamente relacionado à trama principal, mas a cena é
definitivamente um toque especial de absurdo com um efeito assustador.
A solução do mistério envolvendo a família Graps não é
tão empolgante (certa revelação que poderia ter tido mais impacto é tratada de
forma quase casual) e o desfecho da trama é um tanto simplório e anticlimático,
o que talvez tenha a ver com o fato de que o dinheiro acabou duas semanas
depois do início das filmagens e elenco e equipe acabaram trabalhando de graça.
Mas no fim das contas isso pouco importa, e no geral o filme entrega um
resultado bastante satisfatório, graças à atmosfera criada por Bava, à
excelente fotografia, ao ar de mistério que prende o espectador ao longo dos 80
e poucos minutos de uma trama relativamente simples, e sobretudo à construção
de sequências e imagens genuinamente perturbadoras (como quando vemos o
fantasma de Melissa imóvel em meio a bonecas de porcelana, como se fosse uma
delas). Por esses e outros motivos, o filme foi aclamado por cineastas como
Visconti e Fellini e abriu caminho para diversos futuros clássicos do gênero.
No Brasil, O Ciclo do Pavor está disponível na caixa Obras-Primas do Terror 2,
lançada pela Versátil.
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