segunda-feira, 2 de maio de 2016

O Ciclo do Pavor

Título original: Operazione Paura

Ano: 1966

Direção: Mario Bava

País: Itália

Duração: 83 min

Elenco: Giacomo Rossi Stuart, Erika Blanc, Fabienne Dali, Luciano Catenacci, Giovanna Galletti
Avaliação:
Sinopse:
Vilarejo é assombrado pelo fantasma de uma garotinha.

Crítica:
Apesar do que o título em inglês (Kill, Baby, Kill) pode sugerir, O Ciclo do Pavor não é um exploitation do Russ Meyer com uma gangue de garotas peitudas tocando o terror na cidade. Na realidade, é um ótimo e atmosférico horror gótico dirigido por Mario Bava com todos os elementos essenciais esperados, incluindo casarões em ruínas, aparições fantasmagóricas, bruxas, bonecas sinistras, cemitérios, muita névoa, ventos uivantes e também um pouco de surrealismo.

O filme começa com uma mulher correndo e gritando por socorro num vilarejo, até que ela chega a uma espécie de sacada numa construção antiga e se joga em cima das grades pontiagudas de um portão, morrendo empalada. Título e sequência de créditos, enquanto vemos paisagens de cenários desolados e das ruínas da cidadezinha, entre as quais um grupo de figuras encapuzadas caminha carregando o caixão com o corpo da mulher. A propósito, estamos num vilarejo isolado da Transilvânia no início do século XIX. Nisso chega o Dr. Ewais, encarregado de realizar uma autópsia. No entanto, ele encontra grande resistência dos moradores e logo fica a par da crença local: a morte da mulher é mais uma numa série de mortes misteriosas relacionadas a uma maldição que assola a população, e a origem da desgraça toda está na tal Vila Graps, um lugar de onde todos fogem como o Diabo foge da cruz.

Mesmo com o muro de resistência e desconfiança, Ewais e o inspetor Kruger dão prosseguimento à investigação, impedindo o corpo de Irina Hollander, a mulher morta, de ser enterrado. Então entra na história a bela e jovem Monica Schuftan, que se apresenta como médica e a única capaz de assistir Ewais na autópsia. Não vai demorar muito pra ela se revelar a personagem mais histérica e despreparada da história cuja única função acaba se resumindo a ficar apavorada e gritar de medo, portanto sim, esta é a nossa mocinha inútil. Mas enfim, Ewais faz a autópsia e descobre uma moeda de prata introduzida no coração de Irina, que de acordo com a lenda local é uma forma de apaziguar os espíritos daqueles que tiveram uma morte violenta. A determinação de Ewais em investigar a morte não pega bem com os moradores, e na volta pra estalagem onde está hospedado, ele é encurralado e agredido por dois homens furiosos, que só não o matam por conta da intervenção de Ruth, a bruxa do vilarejo, na primeira de suas aparições impactantes com zoom. Ah, e ela desaparece no mesmo estilo porque ela é uma diva.

Mas não nos esqueçamos de que mais mortes estão por vir, e é a filha dos donos da estalagem que tem certeza de que será a próxima vítima quando vê o fantasma de uma garotinha loira na janela. É aí que sabemos que a aparição do fantasma da menina é a marca da morte, o sinal de que a pessoa que o vê vai comer capim pela raiz. Ruth é então convocada pra fazer um feitiço de proteção pra menina, o que significa mais uma entrada triunfal com zoom. Não podemos deixar de notar a voz grave e penetrante da dubladora de Fabienne Dali, a atriz que interpreta Ruth, num caso típico do cinema italiano da época em que atores estrangeiros atuavam em suas línguas maternas, mesmo contracenando com atores falando em italiano, e depois eram dublados na pós-produção. Mas voltando à trama, Ruth é confrontada por Ewais depois do ritual, o inspetor Kruger desaparece e então Ewais decide ir ao casarão da Vila Graps e tentar desvendar o mistério.

Chegando lá, ele conhece a Baronesa Graps, uma velha solitária que parece ter poderes sobrenaturais e ser capaz de invocar espíritos. Aliás, ela me lembra muito a Grace Zabriskie em Twin Peaks, e visto que há uma conexão com a série que mencionarei mais adiante, fico pensando se O Ciclo do Pavor foi mais uma das inspirações de David Lynch. Aconselhado pela Baronesa a dar o fora, Ewais encontra num dos corredores ninguém menos que o fantasma da garotinha loira, que na realidade se chama Melissa e é a filha da Baronesa que morreu 20 anos atrás com apenas 7 anos. O problema é que a menina não só não parece ter 7 anos e sim 12, ela parece ser na verdade UM MENINO de 12 anos usando peruca. E dando uma pesquisada no IMDb, de fato é o caso: Melissa é interpretada por um ator creditado como Valerio Valeri. Então aqui estamos nós, numa história em que os moradores de um vilarejo do século XIX são assombrados pelo fantasma de uma criança trans. Pra que mais maravilhoso?

Bom, a partir daí a trama se desenvolve de forma tradicional, com mais mortes, assombrações e revelações bombásticas ao longo da projeção, e a coisa finalmente se encaminha pro clímax quando Ewais e Monica decidem se aventurar no casarão da Vila Graps  para descobrir se de fato o fantasma de Melissa está em busca de vingança ou se algo mais sinistro se esconde por trás. Em determinado momento, os dois acabam se perdendo um do outro. Vem então a minha cena favorita, que é quando Ewais, preso num loop em que ao abrir uma porta acaba entrando na mesma sala da qual acabou de sair, corre atrás do que acaba se revelando uma cópia dele mesmo, num dos momentos mais surpreendentes do filme. A sequência é executada de tal forma que agora nada me tira da cabeça que esta foi a inspiração pra cena do último episódio de Twin Peaks em que o Agente Cooper corre atrás de seu doppelgänger através das salas idênticas do Black Lodge. Nada tão diretamente relacionado à trama principal, mas a cena é definitivamente um toque especial de absurdo com um efeito assustador.

A solução do mistério envolvendo a família Graps não é tão empolgante (certa revelação que poderia ter tido mais impacto é tratada de forma quase casual) e o desfecho da trama é um tanto simplório e anticlimático, o que talvez tenha a ver com o fato de que o dinheiro acabou duas semanas depois do início das filmagens e elenco e equipe acabaram trabalhando de graça. Mas no fim das contas isso pouco importa, e no geral o filme entrega um resultado bastante satisfatório, graças à atmosfera criada por Bava, à excelente fotografia, ao ar de mistério que prende o espectador ao longo dos 80 e poucos minutos de uma trama relativamente simples, e sobretudo à construção de sequências e imagens genuinamente perturbadoras (como quando vemos o fantasma de Melissa imóvel em meio a bonecas de porcelana, como se fosse uma delas). Por esses e outros motivos, o filme foi aclamado por cineastas como Visconti e Fellini e abriu caminho para diversos futuros clássicos do gênero. No Brasil, O Ciclo do Pavor está disponível na caixa Obras-Primas do Terror 2, lançada pela Versátil.

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