quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Sangue de Pantera

Título original: Cat People

Ano: 1942

Direção: Jacques Tourneur

País: EUA

Duração: 72 min

Elenco: Simone Simon, Kent Smith, Tom Conway, Jane Randolph, Jack Holt
Avaliação:
Sinopse:
Mulher teme se transformar em pantera mítica assassina se tiver relações íntimas com seu marido.

Crítica:

Sangue de Pantera foi o primeiro de uma série de filmes B de horror produzidos por Val Lewton nos anos 40 para a RKO Pictures, na época enfrentando um período de crise financeira e tentando se reerguer com produções de baixo orçamento. Dirigido por Jacques Tourneur e com roteiro de DeWitt Bodeen (a partir de um conto do próprio Lewton), o filme ganhou com o passar do tempo status cult e é hoje considerado um clássico divisor de águas do gênero, tendo inaugurado técnicas utilizadas posteriormente por centenas de cineastas e introduzindo no cinema de horror a tática de sugerir mais do que mostrar, nadando contra a corrente dos populares filmes de monstro produzidos pelos grandes estúdios na época. Sangue de Pantera também foi um dos primeiros filmes a explorar a sexualidade feminina como fonte de ameaça e terror, algo que desde então se tornou corriqueiro.

A história gira em torno da misteriosa designer de moda Irena Dubrovna (Simone Simon), uma imigrante sérvia atormentada pela crença de que faz parte de uma linhagem de mulheres-panteras, de acordo com uma lenda de sua terra natal envolvendo uma tribo de pessoas felinas adoradoras do Diabo. Ela evita contato íntimo com homens por acreditar que ao ser estimulada sexualmente irá se transformar numa criatura bestial e devorar seu macho, o que supostamente foi a causa da morte do pai de Irena após o coito com a mãe dela. Uma bela tarde, enquanto faz sketches de uma pantera no zoológico, Irena começa a flertar com o engenheiro naval Oliver Reed (Kent Smith), o típico bom moço americano, que logo se sente atraído e intrigado pelo jeito introspectivo e enigmático de Irena. Ela o convida pra um chá e fala sobre sua vida reclusa de poucos amigos e sua suposta ascendência felina, uma história que ele não leva muito a sério. Logo eles se apaixonam e em pouco tempo estão casados, o que se torna uma experiência frustrante para ambos: Oliver não pode comer Irena (na verdade, ele não pode nem beijá-la!) e ela não pode cumprir o papel tradicional de esposa dedicada e submissa, tudo pra não perturbar a pantera adormecida.

A situação fica ainda mais complicada quando entram na história Alice, colega de trabalho de Oliver secretamente apaixonada por ele, e o Dr. Louis Judd, psiquiatra com quem Irena passa a se consultar pra tentar se livrar do seu tormento. Nesse processo, Alice se declara pra Oliver e os dois ficam cada vez mais próximos, o que desperta os ciúmes e a ira da fera enjaulada em Irena. Numa das sequências mais famosas do filme, Alice volta a pé sozinha pra casa depois de se encontrar com Oliver e tem a sensação de estar sendo perseguida na rua. O público espera o jumpscare com a aparição de Irena em forma de pantera a qualquer momento, até que no ponto de maior tensão, o grande susto acontece quando um ônibus quebra o silêncio aparecendo do nada. Surge aí a técnica conhecida como "Lewton Bus", o susto causado por um elemento inofensivo, recurso empregado à exaustão até hoje. Logo em seguida, o zelador do zoológico encontra várias ovelhas mortas, e vemos pegadas de patas gradualmente se transformando em pegadas de sapatos femininos.

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Revelando consciência dos seus atos e cada vez mais atormentada, Irena finalmente se estabelece como uma força a ser temida. Ainda com ciúmes de Alice, ela mais uma vez aterroriza a rival em outro momento antológico: se preparando pra tomar banho de piscina, Alice se assusta ao sentir a presença de um animal se aproximando. Tentando se proteger, ela pula na piscina e fica lá encurralada, enquanto vemos surgir na parede a sombra da pantera em meio ao reflexo das ondas da água. Quando Alice grita por socorro, Irena acende as luzes e diz estar procurando por Oliver, desta vez usando um tom sarcástico e ameaçador. Irena finalmente é mostrada em sua forma animal (por imposição do estúdio, já que a intenção de Tourneur era deixar Irena Pantera a cargo da imaginação do público) e o clímax se dá quando o Dr. Judd, de forma totalmente inapropriada, avança o sinal e beija Irena, tornando-se vítima mortal dela. Resignada e de volta à forma humana, Irena se dirige ao zoológico, abre a jaula da pantera e se permite ser atacada e morta pelo animal.
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O melhor de Sangue de Pantera está em sua simplicidade. Filmado como um noir, com uma riqueza de sombras e detalhes que parecem se esconder em cada quadro, a produção é um atestado do poder da sugestão, mostrando a partir daquele momento que em filmes de terror não é preciso ser explícito o tempo todo pra causar medo. O conto alegórico de repressão feminina nem sempre é sutil no seu disfarce, tornando-se por vezes literal demais para possibilitar interpretações diversas: temos referências a felinos a todo o momento, sejam em diálogos hilariamente artificiais ou em cenas como a em que Irena admira no museu o modelo de um barco com uma pantera esculpida na proa. Por outro lado, o filme nunca força a barra pra ser um mero conto fantástico de metamorfose, sendo surpreendentemente evocativo e sutil na medida do possível. A receita deu tão certo que o longa rendeu U$ 4 milhões nas bilheterias dos EUA com um orçamento de apenas U$ 134 mil.

Sangue de Pantera abriu caminho pra outras duas colaborações de Lewton e Tourneur, incluindo o maravilhoso A Morta-Viva, gerou uma continuação chamada A Maldição do Sangue de Pantera (o debut de Robert Wise na direção) e ganhou em 1982 um remake mais violento e sexualmente explícito dirigido por Paul Schrader e estrelado por Nastassja Kinski e Malcolm McDowell.

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