
Título original: Cat People
Ano: 1942 Direção: Jacques Tourneur País: EUA Duração: 72 min Elenco: Simone Simon, Kent Smith, Tom Conway, Jane Randolph, Jack Holt |
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Mulher teme se transformar em pantera mítica assassina se tiver relações íntimas com seu marido.
Crítica:
Sangue de Pantera foi o primeiro de uma série de filmes B
de horror produzidos por Val Lewton nos anos 40 para a RKO Pictures, na época
enfrentando um período de crise financeira e tentando se reerguer com produções
de baixo orçamento. Dirigido por Jacques Tourneur e com roteiro de DeWitt
Bodeen (a partir de um conto do próprio Lewton), o filme ganhou com o passar do
tempo status cult e é hoje considerado um clássico divisor de águas do gênero,
tendo inaugurado técnicas utilizadas posteriormente por centenas de cineastas e
introduzindo no cinema de horror a tática de sugerir mais do que mostrar,
nadando contra a corrente dos populares filmes de monstro produzidos pelos
grandes estúdios na época. Sangue de Pantera também foi um dos primeiros filmes
a explorar a sexualidade feminina como fonte de ameaça e terror, algo que desde
então se tornou corriqueiro.
A história gira em torno da misteriosa designer de moda Irena
Dubrovna (Simone Simon), uma imigrante sérvia atormentada pela crença de que
faz parte de uma linhagem de mulheres-panteras, de acordo com uma lenda de sua
terra natal envolvendo uma tribo de pessoas felinas adoradoras do Diabo. Ela
evita contato íntimo com homens por acreditar que ao ser estimulada sexualmente
irá se transformar numa criatura bestial e devorar seu macho, o que
supostamente foi a causa da morte do pai de Irena após o coito com a mãe dela.
Uma bela tarde, enquanto faz sketches de uma pantera no zoológico, Irena começa
a flertar com o engenheiro naval Oliver Reed (Kent Smith), o típico bom moço americano, que logo se sente atraído e intrigado pelo jeito introspectivo e
enigmático de Irena. Ela o convida pra um chá e fala sobre sua vida reclusa de
poucos amigos e sua suposta ascendência felina, uma história que ele não leva
muito a sério. Logo eles se apaixonam e em pouco tempo estão casados, o que se
torna uma experiência frustrante para ambos: Oliver não pode comer Irena (na
verdade, ele não pode nem beijá-la!) e ela não pode cumprir o papel tradicional
de esposa dedicada e submissa, tudo pra não perturbar a pantera adormecida.
A situação fica ainda mais complicada quando entram na
história Alice, colega de trabalho de Oliver secretamente apaixonada por ele, e
o Dr. Louis Judd, psiquiatra com quem Irena passa a se consultar pra tentar se
livrar do seu tormento. Nesse processo, Alice se declara pra Oliver e os dois
ficam cada vez mais próximos, o que desperta os ciúmes e a ira da fera
enjaulada em Irena. Numa das sequências mais famosas do filme, Alice volta a pé
sozinha pra casa depois de se encontrar com Oliver e tem a sensação de estar
sendo perseguida na rua. O público espera o jumpscare com a aparição de Irena
em forma de pantera a qualquer momento, até que no ponto de maior tensão, o
grande susto acontece quando um ônibus quebra o silêncio aparecendo do nada.
Surge aí a técnica conhecida como "Lewton Bus", o susto causado por um elemento
inofensivo, recurso empregado à exaustão até hoje. Logo em seguida, o zelador
do zoológico encontra várias ovelhas mortas, e vemos pegadas de patas gradualmente
se transformando em pegadas de sapatos femininos.
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Revelando consciência dos seus atos e cada vez mais
atormentada, Irena finalmente se estabelece como uma força a ser temida. Ainda
com ciúmes de Alice, ela mais uma vez aterroriza a rival em outro momento
antológico: se preparando pra tomar banho de piscina, Alice se assusta ao
sentir a presença de um animal se aproximando. Tentando se proteger, ela pula
na piscina e fica lá encurralada, enquanto vemos surgir na parede a sombra da
pantera em meio ao reflexo das ondas da água. Quando Alice grita por socorro,
Irena acende as luzes e diz estar procurando por Oliver, desta vez usando um
tom sarcástico e ameaçador. Irena finalmente é mostrada em sua forma animal
(por imposição do estúdio, já que a intenção de Tourneur era deixar Irena
Pantera a cargo da imaginação do público) e o clímax se dá quando o Dr. Judd,
de forma totalmente inapropriada, avança o sinal e beija Irena, tornando-se
vítima mortal dela. Resignada e de volta à forma humana, Irena se dirige ao zoológico,
abre a jaula da pantera e se permite ser atacada e morta pelo animal.
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O melhor de Sangue de Pantera está em sua simplicidade.
Filmado como um noir, com uma riqueza de sombras e detalhes que parecem se esconder
em cada quadro, a produção é um atestado do poder da sugestão, mostrando a
partir daquele momento que em filmes de terror não é preciso ser
explícito o tempo todo pra causar medo. O conto alegórico de repressão feminina nem sempre é
sutil no seu disfarce, tornando-se por vezes literal demais para possibilitar
interpretações diversas: temos referências a felinos a todo o momento, sejam em
diálogos hilariamente artificiais ou em cenas como a em que Irena admira no museu o
modelo de um barco com uma pantera esculpida na proa. Por outro lado, o filme
nunca força a barra pra ser um mero conto fantástico de metamorfose, sendo
surpreendentemente evocativo e sutil na medida do possível. A receita deu tão
certo que o longa rendeu U$ 4 milhões nas bilheterias dos EUA com um orçamento
de apenas U$ 134 mil.
Sangue de Pantera abriu caminho pra outras duas colaborações
de Lewton e Tourneur, incluindo o maravilhoso A Morta-Viva, gerou uma
continuação chamada A Maldição do Sangue de Pantera (o debut de Robert
Wise na direção) e ganhou em 1982 um remake mais violento e sexualmente
explícito dirigido por Paul Schrader e estrelado por Nastassja Kinski e Malcolm
McDowell.
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