domingo, 19 de maio de 2013

Maníaco

Título original: Maniac

Ano: 2012

Direção: Franck Khalfoun

País: EUA / França

Duração: 89 min

Elenco: Elijah Wood, America Olivo, Nora Arnezeder, Liane Balaban, Megan Duffy
Avaliação:
Sinopse:
Serial killer proprietário de uma loja de antiguidades tem um jeito peculiar de conseguir perucas para os seus manequins.

Crítica:
Numa era saturada de remakes e reboots de franquias de horror cultuadas como O Massacre da Serra Elétrica e Sexta-Feira 13, o que esperar da refilmagem aparentemente despropositada de um esquecido slasher dos anos 80? Qualquer espectador sensato diria que nada, e talvez nesse ceticismo resida boa parte da surpresa causada por este novo Maniac, que em sua passagem por diversos festivais ano passado acumulou uma considerável coleção de críticas favoráveis e tem causado ao longo dos últimos dias um crescente burburinho entre os fãs mais ávidos do gênero.

A comoção toda tem justificativa. Não vi o filme original (que ao que me parece não é nenhum grande clássico cult), portanto não estabelecerei diferenças. De qualquer forma, assistindo à nova versão dirigida por Frank Khalfoun (o mesmo de P2 – Sem Saída) me peguei positivamente surpreendido por vários elementos presentes nela, e ainda que o resultado final não seja totalmente satisfatório, a produção não deixa de ser um sopro de novidade no cenário atual.

Maniac traz Elijah Wood como Frank, um assassino de mulheres que escalpela suas vítimas e leva os escalpos como troféus, terminando por utilizá-los como perucas em manequins da loja que administra. Praticamente toda a ação do filme é vista através da perspectiva de Frank, em câmera subjetiva. Até aí nenhuma grande novidade, e a coisa toda acaba assumindo basicamente a mesma estrutura de uma produção found footage. O interessante é quando conseguimos identificar, logo no início da projeção, elementos mais atraentes, como a trilha sonora cheia de sintetizadores que imediatamente remete à música incidental dos slashers dos anos 80 e até mesmo às trilhas do Goblin pros filmes do Dario Argento. Ao mesmo tempo, toda a sequência inicial, que resulta na morte da primeira vítima, e o letreiro imponente com o título do filme dão uma boa amostra do exercício de estilo que Maniac se propõe a ser.

Mas voltemos ao enredo. Frank tem uma rotina relativamente simples, conciliando seu trabalho como restaurador de manequins com as suas obrigações de serial killer, caçando suas vítimas seja por sites de relacionamento ou simplesmente as perseguindo pelas ruas. Uma das primeiras coisas que notamos a respeito dele é que suas mãos estão frequentemente sujas e cheias de perebas, e o mais incrível é que absolutamente nenhuma das mulheres que ele encontra acha isso minimamente estranho. Tudo bem que ele faz um trabalho essencialmente artesanal, mas nem cortador de cana sem luva fica com as mãos nesse estado. “Deve haver um outro motivo”, você pensaria. Mas tudo bem, estamos lidando com mocinhas tipicamente estúpidas de filme de terror. Notamos também que ele tem alguns surtos, que incluem terríveis enxaquecas e alucinações relacionadas à figura da mãe. Sim, nosso psicopata da vez é discípulo de Norman Bates, e como tal, também não se sente muito à vontade quando a situação torna-se um pouco mais tentadora e libidinosa. Mas enfim, depois de assassinadas e escalpeladas, as vítimas de Frank acabam “reencarnando” nos manequins, que além do escalpo das respectivas mulheres ainda ganham o figurino que elas usavam ao serem mortas.

O mundo de Frank vira de cabeça pra baixo a partir do momento em que ele conhece a adorável Anna, uma jovem fotógrafa de manequins que fica impressionada com o trabalho dele. Ele percebe que Anna, diferente de suas vítimas habituais, é sensível, bem resolvida, inteligente e idealista, e demonstra um genuíno interesse em conhecê-lo e estabelecer um laço de amizade. Frank aceita ajudá-la numa futura exposição e os dois passam a se encontrar com frequência. A relação segue promissora, o que não impede Frank de ocasionalmente perseguir e escalpelar periguetes noite adentro.

<spoilers>
Descobrimos então que as periguetes em questão são uma representação da mãe de Frank, que conhecemos através de flashbacks fazendo sexo com vários homens e usando drogas, tudo na frente dele ainda criança. Um verdadeiro exemplo de como criar laços mais profundos com os filhos. O interessante é que as cenas em que vemos a mãe solta na buraqueira e expondo tudo sem a menor culpa ao filho pequeno são tão absurdas que fica a dúvida se aquilo aconteceu exatamente como é mostrado ou se são apenas as memórias distorcidas dele exagerando as coisas. De qualquer forma, Frank cresceu severamente afetado por sua criação, e numa das minhas cenas favoritas, ele se olha no espelho e revela (ou imagina) que entre a cintura e as coxas seu corpo é de um manequim, simbolizando a sua assexualidade/castração emocional.

Frank segue fazendo mais vítimas, e seu próximo alvo é a agente de Anna, que na exposição, conversando com ele, se revela uma completa vaca, tratando-o com desdém e demonstrando uma insuportável futilidade. Claro que aqui é representado mais um traço da personalidade da mãe de Frank. Obviamente, a agente vaca acaba reencarnando em forma de manequim e vai fazer companhia às outras “amigas” de Frank, que frequentemente se encontram rodeadas de moscas por conta da natureza altamente orgânica de suas perucas. Enquanto isso, a obsessão dele por Anna segue crescendo, e não demora muito para que ela acabe percebendo com o que exatamente está lidando. E aí claro que temos mais uma perseguição, que acaba culminando num desfecho trágico. A sequência final do filme, em que Frank é completamente desmembrado e “descamado” como se fosse um boneco de carne pelos manequins de volta à vida, é absolutamente fantástica. Ainda que esteja situada num plano de delírio do personagem, é violenta e perturbadora o suficiente pra deixar muito açougue realista morrendo de inveja.
</spoilers>


Maniac, de um modo geral, acaba sendo um sucesso, e se destaca positivamente por uma série de aspectos. Apesar de o vermos apenas através de reflexos, fotos e alguns poucos momentos em que a câmera é assumida por uma terceira pessoa, Elijah Wood entrega uma performance surpreendentemente boa e envolvente, encarnando com sensibilidade um jovem perigosamente perturbado. O desempenho do restante do elenco não deixa a desejar. Outro ponto forte aqui é a alta dose de violência explícita, e nesse ponto o filme só peca na cena da primeira morte, em que o uso de CGI é forçado e óbvio demais. Gosto especialmente da sequência no estacionamento, que tem um desfecho realmente brutal e agoniante.

Tecnicamente, o filme é primoroso, principalmente no que diz respeito à fotografia e à montagem, que nesse caso requer todo um cuidado diferenciado por conta do recurso da câmera subjetiva. Visualmente, há a exploração de uma série de motivos marcantes, e é óbvio que a presença dos manequins contribui muito pra isso. Sem falar da inserção de outros elementos que fazem referência ao mundo das artes, como a bailarina no estúdio de dança, a galeria onde se dá a exposição de Anna e a ótima cena em que ela e Frank assistem a uma “versão snuff” de O Gabinete do Dr. Caligari num cinema. Inevitavelmente acabo associando alguns desses elementos a produções como Peeping Tom, Suspiria e Profondo Rosso (esses dois últimos de Dario Argento). E claro, há também a já mencionada trilha sonora, que mais uma vez nos remete aos clássicos slashers e giallos.

Por fim, temos a polêmica decisão de adotar a câmera subjetiva, e é aí que eu encontro problemas. Se por um lado a técnica contribui para um recurso narrativo que nos permite acompanhar tudo através dos olhos do assassino e abre espaço pra utilização de uma gama de soluções visuais criativas, por outro lado ela limita um pouco o impacto da história e o desenvolvimento dos personagens, inclusive do próprio protagonista.  Em primeiro lugar, o que temos como enredo é uma trama básica de slasher, e mesmo que todos saibamos de cor como a coisa funciona, a sensação é de que falta um tantinho de suspense, a criação progressiva de uma tensão.  A violência na maior parte do tempo simplesmente acontece, e de um jeito não tão emocionante como poderia ser. Em segundo lugar, os personagens nunca chegam a ser tão interessantes, já que acabamos tendo acesso somente à impressão que Frank tem de cada um (e eu adoraria passar um pouco mais de tempo com a agente vaca). O próprio Frank, aliás, poderia ter um pouco mais de espaço em frente à câmera, e é uma pena que os poucos momentos em que o vemos inserido no quadro não revelem nada de novo sobre ele.

No fim das contas, Maniac é um filme de muitas qualidades, ainda que do ponto de vista narrativo e emocional acabe se tornando uma experiência um tanto estéril. Por outro lado, é uma produção que trabalha com clichês e caricaturas de um subgênero muito específico, por vezes extrapolando nos elementos mais fantasiosos e visualmente apelativos, e isso talvez acabe tornando o exercício de estilo mais válido que qualquer outro aspecto. O fato é que esta nova versão, de um jeito ou de outro, tem singularidades e atributos suficientes pra conquistar uma legião sólida de fãs, algo que já começou aos poucos a fazer. E certamente irá figurar em diversas listas de favoritos durante os próximos anos.

0 comentários:

Postar um comentário