
Título original: Family Plot
Ano: 1976 Direção: Alfred Hitchcock País: EUA Duração: 120 min Elenco: Karen Black, Bruce Dern, Barbara Harris, William Devane, Ed Lauter |
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Casal de vigaristas investiga um perigoso mistério que envolve um herdeiro desaparecido.
Crítica:
Depois de um breve hiato nas nossas publicações, estamos de volta para falar sobre o derradeiro e subestimado filme de Alfred Hitchcock, o delicioso suspense cômico Trama Macabra. Comumente tido como um trabalho inferior dos anos finais da carreira do diretor (assim como o ótimo Frenesi, de 1972), Trama Macabra ainda é amaldiçoado com o fardo do “último filme”, posição desvantajosa especialmente nas comparações descabidas com clássicos como Psicose e Os Pássaros, também produzidos nessa fase mais tardia. O fato é que, visto pelo que é na essência, o filme é uma charmosa e espirituosa despedida, mais próximo em tom de O Terceiro Tiro, e que ainda ganha pontos pelo frescor da narrativa conduzida de um jeito mais descompromissado e pelas qualidades distintas dos quatro personagens principais.
O filme começa nos apresentando a Blanche (Barbara Harris), uma adorável vidente de araque que vê a oportunidade de ganhar a bolada de dez mil dólares se conseguir encontrar, com ajuda dos seus supostos poderes psíquicos, o sobrinho da velha e milionária Sra. Julia Rainbird, uma de suas clientes. A Sra. Rainbird havia dado o menino para adoção logo após o nascimento por ele ser filho bastardo de sua finada irmã Harriet, e agora, quarenta anos depois e consumida pela culpa, finalmente decide deixar toda a sua herança pra ele. Blanche topa o serviço sem pestanejar, e, com a ajuda do seu namorado George (Bruce Dern, impagável), um ator fracassado que trabalha como motorista de táxi, começa a ir atrás de pistas que a levem ao paradeiro do possível futuro herdeiro. Como dá pra imaginar, a tarefa não será nada fácil.
Paralelamente, acompanhamos os trambiques de outro casal de vigaristas, o joalheiro Arthur Adamson e sua esposa Fran, vividos por William Devane e a divíssima Karen Black. Bem-sucedido em seu negócio de fachada, Arthur lucra pra valer mesmo é por baixo dos panos, sequestrando figurões milionários com a ajuda de Fran e devolvendo-os somente após receber como resgate alguma pedra preciosa muito valiosa. Cuidadosos para não deixar rastros, o casal mantém seus reféns num quarto à prova de som cujo acesso se dá através de uma passagem secreta no subsolo e escondem as provas dos crimes nos lugares mais improváveis – Arthur coloca o diamante do último resgate no lustre enquanto Fran guarda a peruca loira que usa como disfarce na gaveta da geladeira.
Enquanto isso, George começa a bancar o detetive e segue o rastro de uma pista conseguida por Blanche, que o leva à filha do antigo chofer dos Rainbird. Ele descobre que o menino passou a se chamar Edward Shoebridge e que seus pais adotivos morreram num incêndio. A partir daí, George, desajeitadamente se passando por um advogado, encontra uma série de personagens envolvidos na história, desde o pároco que batizou o recém-nascido até o zelador do cemitério onde há uma lápide falsa com o nome de Edward. As coisas ficam particularmente tensas quando George encontra Maloney (Ed Lauter), o proprietário de um posto de gasolina que parece saber bem mais do que revela. Enquanto isso, Blanche continua enrolando a Sra. Rainbird para ganhar tempo, o que serve de pretexto para momentos hilários em que ela finge se comunicar com o além com a ajuda de seu espírito ajudante Henry.
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O caldo engrossa quando descobrimos que Edward Shoebridge virou ninguém menos que (rá!) Arthur Adamson, que, com a ajuda de Maloney, tem mantido seu passado em segredo há vários anos – ele, inclusive, foi o responsável pelo incêndio que matou seus pais adotivos. É uma questão de tempo até o joalheiro mafioso bigodudo descobrir as verdadeiras identidades de George e Blanche, automaticamente colocando-os em perigo. Fran, por outro lado, começa a ter crises de consciência, mostrando-se cada vez menos à vontade em fazer parte dos esquemas do marido. Maloney arma um plano pra sabotar o carro de George e Blanche, e em seguida tem início a divertidíssima e absurda sequência em que o casal perde o controle da direção numa estrada sinuosa que é só descida. Enquanto George tenta desviar dos carros que aparecem pela frente, Blanche, histérica, grita e se contorce no banco do passageiro piorando ainda mais a situação. As cenas da estrada em câmera subjetiva rodando em fast forward são um charme extra.
Enfim, nosso casal de anti-heróis se livra de mais uma enrascada, mas acaba entrando numa pior quando descobre através da mulher de Maloney que o novo nome de Edward é Arthur Adamson. Blanche, ansiosa, decide se aventurar sozinha em busca do futuro herdeiro, e quando finalmente o encontra tem uma desagradável surpresa ao constatar que ele não é flor que se cheire, flagrando-o justamente no meio de um esquema de sequestro. Obviamente ela torna-se refém de Arthur e Fran e não demora muito pra George aparecer pra resgatá-la e ter um confronto final com o casal de bandidos. Blablablá, final feliz.
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Simples assim. Uma pequena trama de mistério bem tradicional narrada de um jeito leve, divertido e sem grandes compromissos. O roteiro de Ernest Lehman, apesar de não trazer nada de muito original, é enxuto, enquanto a direção de Hitchcock é precisa mesmo não sendo tão rígida e obsessiva como de costume, contando inclusive com vários diálogos improvisados – o que, aliás, só beneficia a história. O elenco afiado brilha nas performances, sobretudo os dois casais protagonistas. Barbara Harris e Bruce Dern estão hilários como os trambiqueiros atrapalhados, conseguindo nos cativar com a inocência dos personagens. William Devane, por sua vez, mostra-se deliciosamente cínico e ameaçador como Arthur, munido de seu topete imaculado e seu bigode-maravilha. Por fim, nossa musa Karen Black, com seu olhar hipnotizante e levemente estrábico, nos brinda com sua habilidade de fazer as expressões faciais mais fantásticas. O elenco de apoio também não fica atrás, com destaque pra Cathleen Nesbitt como a Sra. Rainbird e Ed Lauter como Maloney. O filme ainda conta com uma excelente trilha sonora de John Williams em sua única colaboração com Hitchcock, e além de conter várias das marcas registradas do diretor (a protagonista loira canhota, por exemplo), ainda traz referências a filmes anteriores dele, como quando lemos “Bates Avenue” na placa da avenida em que Blanche mora.
Mas afinal, Trama Macabra é um grande clássico de Hitchcock como Um Corpo que Cai ou Intriga Internacional? Não, mas também não pretende ser. O que temos aqui é um cineasta experiente numa fase de já não precisar provar mais nada a ninguém prestando uma singela e bem-humorada homenagem ao gênero que ajudou a definir. E, ao contrário de esforços realmente medíocres como Cortina Rasgada e Topázio, o filme se sustenta pelo que é, não deixando de ter seu lugar de importância na filmografia do Mestre – afinal de contas, não há mesmo como escapar do fato de que é sua obra final. E a última cena, em que Blanche quebra a quarta parede olhando diretamente pra audiência e dando uma piscadinha, é sem dúvidas um dos desfechos mais dignos e recompensadores possíveis, já que é como se o próprio Hitchcock estivesse piscando para nós, fazendo um último gracejo, típico do seu senso de humor, antes de se despedir de vez.
O filme começa nos apresentando a Blanche (Barbara Harris), uma adorável vidente de araque que vê a oportunidade de ganhar a bolada de dez mil dólares se conseguir encontrar, com ajuda dos seus supostos poderes psíquicos, o sobrinho da velha e milionária Sra. Julia Rainbird, uma de suas clientes. A Sra. Rainbird havia dado o menino para adoção logo após o nascimento por ele ser filho bastardo de sua finada irmã Harriet, e agora, quarenta anos depois e consumida pela culpa, finalmente decide deixar toda a sua herança pra ele. Blanche topa o serviço sem pestanejar, e, com a ajuda do seu namorado George (Bruce Dern, impagável), um ator fracassado que trabalha como motorista de táxi, começa a ir atrás de pistas que a levem ao paradeiro do possível futuro herdeiro. Como dá pra imaginar, a tarefa não será nada fácil.
Paralelamente, acompanhamos os trambiques de outro casal de vigaristas, o joalheiro Arthur Adamson e sua esposa Fran, vividos por William Devane e a divíssima Karen Black. Bem-sucedido em seu negócio de fachada, Arthur lucra pra valer mesmo é por baixo dos panos, sequestrando figurões milionários com a ajuda de Fran e devolvendo-os somente após receber como resgate alguma pedra preciosa muito valiosa. Cuidadosos para não deixar rastros, o casal mantém seus reféns num quarto à prova de som cujo acesso se dá através de uma passagem secreta no subsolo e escondem as provas dos crimes nos lugares mais improváveis – Arthur coloca o diamante do último resgate no lustre enquanto Fran guarda a peruca loira que usa como disfarce na gaveta da geladeira.
Enquanto isso, George começa a bancar o detetive e segue o rastro de uma pista conseguida por Blanche, que o leva à filha do antigo chofer dos Rainbird. Ele descobre que o menino passou a se chamar Edward Shoebridge e que seus pais adotivos morreram num incêndio. A partir daí, George, desajeitadamente se passando por um advogado, encontra uma série de personagens envolvidos na história, desde o pároco que batizou o recém-nascido até o zelador do cemitério onde há uma lápide falsa com o nome de Edward. As coisas ficam particularmente tensas quando George encontra Maloney (Ed Lauter), o proprietário de um posto de gasolina que parece saber bem mais do que revela. Enquanto isso, Blanche continua enrolando a Sra. Rainbird para ganhar tempo, o que serve de pretexto para momentos hilários em que ela finge se comunicar com o além com a ajuda de seu espírito ajudante Henry.
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O caldo engrossa quando descobrimos que Edward Shoebridge virou ninguém menos que (rá!) Arthur Adamson, que, com a ajuda de Maloney, tem mantido seu passado em segredo há vários anos – ele, inclusive, foi o responsável pelo incêndio que matou seus pais adotivos. É uma questão de tempo até o joalheiro mafioso bigodudo descobrir as verdadeiras identidades de George e Blanche, automaticamente colocando-os em perigo. Fran, por outro lado, começa a ter crises de consciência, mostrando-se cada vez menos à vontade em fazer parte dos esquemas do marido. Maloney arma um plano pra sabotar o carro de George e Blanche, e em seguida tem início a divertidíssima e absurda sequência em que o casal perde o controle da direção numa estrada sinuosa que é só descida. Enquanto George tenta desviar dos carros que aparecem pela frente, Blanche, histérica, grita e se contorce no banco do passageiro piorando ainda mais a situação. As cenas da estrada em câmera subjetiva rodando em fast forward são um charme extra.

Enfim, nosso casal de anti-heróis se livra de mais uma enrascada, mas acaba entrando numa pior quando descobre através da mulher de Maloney que o novo nome de Edward é Arthur Adamson. Blanche, ansiosa, decide se aventurar sozinha em busca do futuro herdeiro, e quando finalmente o encontra tem uma desagradável surpresa ao constatar que ele não é flor que se cheire, flagrando-o justamente no meio de um esquema de sequestro. Obviamente ela torna-se refém de Arthur e Fran e não demora muito pra George aparecer pra resgatá-la e ter um confronto final com o casal de bandidos. Blablablá, final feliz.
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Simples assim. Uma pequena trama de mistério bem tradicional narrada de um jeito leve, divertido e sem grandes compromissos. O roteiro de Ernest Lehman, apesar de não trazer nada de muito original, é enxuto, enquanto a direção de Hitchcock é precisa mesmo não sendo tão rígida e obsessiva como de costume, contando inclusive com vários diálogos improvisados – o que, aliás, só beneficia a história. O elenco afiado brilha nas performances, sobretudo os dois casais protagonistas. Barbara Harris e Bruce Dern estão hilários como os trambiqueiros atrapalhados, conseguindo nos cativar com a inocência dos personagens. William Devane, por sua vez, mostra-se deliciosamente cínico e ameaçador como Arthur, munido de seu topete imaculado e seu bigode-maravilha. Por fim, nossa musa Karen Black, com seu olhar hipnotizante e levemente estrábico, nos brinda com sua habilidade de fazer as expressões faciais mais fantásticas. O elenco de apoio também não fica atrás, com destaque pra Cathleen Nesbitt como a Sra. Rainbird e Ed Lauter como Maloney. O filme ainda conta com uma excelente trilha sonora de John Williams em sua única colaboração com Hitchcock, e além de conter várias das marcas registradas do diretor (a protagonista loira canhota, por exemplo), ainda traz referências a filmes anteriores dele, como quando lemos “Bates Avenue” na placa da avenida em que Blanche mora.
Mas afinal, Trama Macabra é um grande clássico de Hitchcock como Um Corpo que Cai ou Intriga Internacional? Não, mas também não pretende ser. O que temos aqui é um cineasta experiente numa fase de já não precisar provar mais nada a ninguém prestando uma singela e bem-humorada homenagem ao gênero que ajudou a definir. E, ao contrário de esforços realmente medíocres como Cortina Rasgada e Topázio, o filme se sustenta pelo que é, não deixando de ter seu lugar de importância na filmografia do Mestre – afinal de contas, não há mesmo como escapar do fato de que é sua obra final. E a última cena, em que Blanche quebra a quarta parede olhando diretamente pra audiência e dando uma piscadinha, é sem dúvidas um dos desfechos mais dignos e recompensadores possíveis, já que é como se o próprio Hitchcock estivesse piscando para nós, fazendo um último gracejo, típico do seu senso de humor, antes de se despedir de vez.
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